Contrato de Vesting no Brasil: Origem, Modalidades e Execução
por Clara Carrocini Tamaoki
O contrato de vesting tem origem no ordenamento jurídico norte-americano e surgiu como uma solução para o chamado “conflito de agência”, que se configura quando há divergência de interesses entre acionistas majoritários e acionistas minoritários que ocupam cargos de gestão, ou ainda gestores não acionistas de uma sociedade empresária. O “conflito de agência”, em sua configuração mais comum, ocorre quando o gestor executivo utiliza do poder que lhe foi conferido para obter vantagens distintas das pretendidas pelos acionistas majoritários.
Neste cenário, o contrato de vesting se apresenta como uma ferramenta que possibilita a estes colaboradores-chave a aquisição de participação societária mediante condições pré-estabelecidas entre as partes. Ao possibilitar a esses colaboradores-chave a aquisição futura de participação societária, é possível contar com a expertise de tais colaboradores, que se mostram essenciais ao desenvolvimento da atividade econômica explorada, enquanto fortalece o seu comprometimento e envolvimento com os interesses dos acionistas majoritários.
Contudo, ao tentar absorver o modelo norte-americano do contrato de vesting, adaptando-o à realidade brasileira, o mercado brasileiro se depara com duas principais questões legislativas. A primeira questão diz respeito ao fato de que o regime jurídico que disciplina as sociedades limitadas veda expressamente, no art. 1.055, § 2.º do CC, a figura comumente conhecida como “sócio de serviço”, o que juridicamente impede a aquisição de participação societária sem contrapartida em dinheiro ou bens.
O segundo questionamento levantado à época da incorporação do instituto no país se relacionava com as sociedades anônimas e questionava se o contrato de vesting não se confundia com a regulamentação própria das opções de compra já reguladas pela Lei n. 6.404/76. Logo se entendeu que não trata do mesmo contrato, considerando que a regulamentação das opções de compra, disposta no art. 168, § 3.º, da Lei n. 6.404/76, se trata um mecanismo empresarial que exige maiores formalidades, como a previsão estatutária e um plano de execução das opções de compra que deve ser definido e aprovado em assembleia geral. Não obstante, nas opções de compra, os sujeitos que podem ser beneficiados se reduzem a administradores, empresários ou pessoas naturais, o que impede a sua celebração com empresas investidoras ou então com condomínios de natureza especial, como Fundos de Investimento, que ocupam um papel central em negócios que se encontram em estágio inicial.
Diante dessas questões, no Brasil, o contrato de vesting foi incorporado como um contrato de opção de compra sob condições e mediante pagamento do preço, ou seja, o direito adquirido pelo colaborador-chave é de subscrição futura de participação societária, mediante condições, tornando possível a sua celebração tanto nas sociedades limitadas quanto nas sociedades anônimas. Trata-se de um contrato empresarial atípico, visto que não se ajusta em nenhum dos moldes contratuais previstos em lei, mas que encontra fundamento na liberdade de pactuar, em que pese não possua regulamentação jurídica particular, nos termos do que dispõe o art. 425 do CC.
A validade da aplicação dos contratos de vesting no Brasil foi reconhecida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na Deliberação CVM n. 728, de 27 de novembro de 2014, e no Pronunciamento Técnico CPC 10 (R1), dispondo sobre os critérios e cláusulas que devem constar nessa modalidade contratual, garantindo segurança jurídica à sua celebração.
Reconhecida a sua validade, o contrato de vesting admite mais de uma forma de execução, adaptando suas modalidades de acordo com as peculiaridades da relação que se visa resguardar. A primeira forma de execução, conhecida como “cliff”, define um período de carência para que o profissional tenha o direito de adquirir a primeira parte da participação societária, seja por quotas ou ações. Transcorrido o período de carência, o profissional receberá o restante das quotas ou ações de maneira linear (trimestralmente, anualmente etc.), por um período pré-estabelecido.
A título exemplificativo, é o cenário em que se define que o profissional-chave, que possui o conhecimento técnico e a expertise necessária para o sucesso dos projetos da sociedade limitada, poderá adquirir quotas sociais após o período de quatro anos. O profissional terá direito a adquirir a primeira parte das quotas após o “cliff” de um ano, e as quotas restantes de maneira uniforme, trimestralmente, ao logo dos três anos restantes.
Necessário recordar que o percentual da participação societária é previamente definido entre as partes, não se confundindo como uma contraprestação pelo serviço prestado pelo colaborador. O objetivo da modalidade é proporcionar um período de teste de profissional antes de oportunizar a participação societária, bem como reforçar o compromisso deste colaborador, que possui um papel essencial para o sucesso dos projetos da sociedade empresária, de permanecer na sociedade ao menos pelo período estabelecido até o final da aquisição da participação societária.
A segunda forma de execução do contrato de vesting é comumente conhecida como “milestone”, que estabelece condições de mercado ou metas de desempenho para a aquisição da participação societária pelo profissional. Melhor exemplificando, é o caso do profissional que é contratado pela sua expertise no setor de vendas e que, no contrato de vesting, terá direito de adquirir participação societária somente após atingir a meta de um milhão de reais em receita anual, incentivando o colaborador em questão a aumentar a receita da empresa com o crescimento de vendas.
A última forma de execução, comumente chamada de “combination based approach”, se baseia justamente na combinação das modalidades de “cliff” e “milestone”, condicionando a participação societária apenas após o alcance de uma meta de desempenho ou condição de mercado em um período pré-estabelecido. Em que pese a aplicação conjunta das modalidades não seja obrigatória, sua utilização garante uma maior segurança e efetividade aos objetivos da empresa e dos sócios majoritários.
Observa-se, portanto, que o contrato de vesting, importado do direito norte-americano e com diferentes formas de execução, se caracteriza como um importante mecanismo empresarial, especialmente no desenvolvimento de empresas em estágios iniciais, possibilitando que a empresa retenha talentos que lhe são essenciais para o sucesso de seus projetos.
REFERÊNCIAS
DE OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos; DE MACÊDO SCAFF, Luma Cavaleiro; NORAT, Leonardo Costa. Vínculo jurídico entre os contratos de vesting e de sociedade. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 32, n. 03, p. 75-75, 2023.
ALVES, Alexandre Eli; BONOTTO, Ricardo Augusto; CLAUDINO, Miriam Costa. O contrato de vesting nas biostartups: riscos, desafios e ponderações. Revista Brasileira de Direito Empresarial, v. 8, n. 2, 2022.