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E agora, José? Um breve retrato das queimadas no Brasil

por Bruno Cesar Vicentim

Em 1942 o poeta Brasileiro Carlos Drummond de Andrade publicou em sua coletânea “Poemas”, o poema “E agora, José?”, uma das obras primas da literatura brasileira. Tão vivo e tão atual, que nos faz indagar sobre o que se passava na mente do autor, enquanto juntava as palavras para construir e descrever suas percepções e seus sentimentos.

Na época, um cenário de Guerra se aproximava. O Brasil declarara Guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista, em agosto de 1942, após mais de 600 brasileiros serem mortos em decorrência do torpedeamento de 5 navios brasileiros, pelo submarino alemão U-507[1]. Incertezas no porvir maculavam e afligiam desde os mais profundos e sensatos, aos mais superficiais pensamentos dos brasileiros. Foi nesse contexto que a obra acima mencionada nasceu.

Hoje, mais de 80 anos depois, a essência da ideia transmitida pelo autor do sobredito poema continua a permear nossos sonhos (ou pesadelos) e, principalmente, nossa realidade.

Temos nos deparado - e sofrido, com isso - com um crescimento exacerbado no número de incêndios e queimadas que se espalham por boa parte do país.

Notícias recentes dão conta de que, por exemplo, “o Estado do Amazonas registrou 21,6 mil queimadas em 2024 e tem o pior índice em 26 anos”[2] – publicada em 24.09.2024. E ainda, de que “o Brasil concentra 71,9% das queimadas na América do Sul nas últimas 48h”[3]publicada em 14.09.2024.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão governamental responsável, dentre outras funções, pelo acompanhamento dos focos de incêndio ocorridos em nosso país, cujas informações são fornecidas por satélites desde 1998, com imagens, dados meteorológicos e limites políticos oficiais, possui o “Programa Queimadas”, por meio do qual acompanha a evolução da situação de calamidade em que estamos atualmente inseridos.

Não nos olvidamos de que o nosso país, em extensão territorial, é consideravelmente maior do que os países vizinhos – razão pela qual, em tese, poder-se-ia dizer que tal fator teria o condão de embasar a disparidade nos números apontados pelo INPE. Contudo, tal fato, por si só, não pode servir de “justificativa”, por quem quer que seja, para os números que, abaixo, serão elencados.

Os dados são estarrecedores.

Na aba “Situação Atual”, o INPE traz informações que demonstram “o número de focos detectados pelo satélite de referência (AQUA Tarde) no período de 01/01/2024 até 25/09/2024” [4]:

Gráfico1.jpeg

Fonte: INPE, 2024.

É possível notar que o Brasil, atualmente, em uma escala anual (2024), tem mais da metade dos focos de incêndio detectados entre todos os países da América do Sul.

Ainda, em uma indagação sobre qual bioma estaria sendo o mais atingido pelos focos incendiários, a resposta não foi outra senão a Amazônia. Vejam:

Gráfico2.jpeg

Fonte: INPE, 2024.

Embora a proporção demonstrada nos gráficos acima transcritos traga uma noção sobre a gravidade do problema, os números exatos nos deixam ainda mais perplexos:

Gráfico3.jpeg

Fonte: INPE, 2024.

Só no mês de Setembro/2024, foram detectados 78.125 (setenta e oito mil, cento e vinte e cinco) focos de incêndio por todo o país. O número é alarmante.

Os efeitos de todo esse descompasso – se é que se pode chamar assimnatural têm sido experimentados por toda a nação. No último mês, por exemplo, na cidade de Maringá-PR – de onde escrevo este singelo texto –, não se fez possível observar o famoso “céu de brigadeiro” que sempre foi uma marca registrada da cidade. Uma massa densa, acinzentada, de fumaça, cobriu (como um manto) o céu, chegando ao ponto de se alterar o cheiro do ar que se respira na cidade – era perfeitamente possível sentir um cheiro de “queimado” por toda parte do Município. A situação ainda é essa. Esse fenômeno foi identificado em vários outros municípios do Estado.

O Ministério Público Federal, em notícia veiculada em 12/09/2024[5], afirma ter aberto mais de 190 investigações sobre queimadas ocorridas entre 2023 e 2024 – 164 ações extrajudiciais e 34 inquéritos policiais. A conta, infelizmente, não fecha.

A situação piora a cada dia, a cada hora, minuto.

Sabemos que são várias as causas originárias dos incêndios – a estiagem prolongada, as causas acidentais, as incidentais (os conhecidos “raios secos[6], por exemplo), até os criminosos. Contudo, se não tivermos uma política pública de combate, como medida imediata, com a participação compromissada do Poder Público, e, de conscientização, esta como medida mediata da população, que espelhem coerência, factibilidade e, principalmente, responsabilidade, sofreremos, em um futuro não tão distante, dissabores dignos de uma obra hollywoodiana apocalíptica.

A natureza possui uma capacidade inimaginável de se reestruturar. Se restabelecer. Tira forças de qualquer substância e se reinventa, de uma forma ou de outra. A recente Pandemia pela qual passamos (Covid-19) foi um exemplo disso. A atividade humana é inversamente proporcional à qualidade dos nossos recursos naturais. E as perspectivas, infelizmente, não são das melhores.

Pedro Luiz Côrtes, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP/SP, em recente publicação sobre o tema[7], afirmou que “os indicadores são cada vez mais evidentes de que uma crise muito séria já se estabeleceu no Pantanal. Nós estamos perdendo realmente o Pantanal a olhos vistos”. Disse ainda, que “[...] a cada ano, a cobertura vegetal da região diminui devido ao desmatamento e às queimadas, o que prejudica seriamente a bacia hidrográfica. [...]”. Ao comentar sobre a fala da Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, em audiência no Senado – no sentido de que poderemos perder o Pantanal até o final do século, segundo pesquisas científicas, afirmou que “[...] baseado em um levantamento do MapBiomas, que mostra a redução da superfície de água no Pantanal, desde 1985 até o ano passado, eu digo que a ministra foi comedida nas suas observações. [...], pelo avanço da degradação, da redução da quantidade de água no Pantanal, eu digo que na metade deste século ou por volta de 2060, já não tenhamos mais o Pantanal como um bioma”.

Estamos em guerra e somos nossos próprios oponentes. Nela, não haverá vitoriosos.

Está claro que algo precisa ser feito, e em caráter de urgência. Tivemos (e ainda temos) a capacidade (despreocupada) de, em nome do “progresso”, destruir boa parte do ambiente em que vivemos. Agora, é hora de virar a chave. Contudo, pra isso, não bastam palavras – por mais necessárias que elas sejam!. Precisamos agir. Fazer acontecer. Ser a diferença!

Para onde devemos marchar? Para essa pergunta, Carlos Drummond de Andrade não teve resposta em seu poema. Será que um dia essa “festa” irá acabar? Talvez essa seja uma das perguntas que somente o José – ou o Fernando, o Itamar, o Luiz, o Jair, o Arthur, o Pedro, etc – possa nos responder. Tenhamos fé!

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[1]Brasil Declara Guerra Em 22 de Agosto de 1942. Força Aérea Brasileira, Museu Aeroespacial, Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica. Disponível em: <https://www2.fab.mil.br/musal/index.php/slideshow/819-brasil-declara-guerra-em-22-08-1943>. Acesso em 26 set. 2024.

[2]CASTRO, Matheus. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/09/24/amazonas-registra-216-mil-queimadas-em-2024-e-tem-o-pior-indice-em-26-anos-aponta-inpe.ghtml>. Acesso em 26 set 2024.

[3]CASTRO, Matheus. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2024/09/24/amazonas-registra-216-mil-queimadas-em-2024-e-tem-o-pior-indice-em-26-anos-aponta-inpe.ghtml>. Acesso em 26 set 2024.

[4]Situação atual. Terra Brasilis. Disponível em https://terrabrasilis.dpi.inpe.br/queimadas/situacao-atual/situacao_atual/. Acesso em 26 set. 2024.

[5]MPF abriu mais de 190 investigações sobre queimadas em um ano. Agência Brasil. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2024-09/mpf-abriu-mais-de-190-investigacoes-sobre-queimadas-em-um-ano. Acesso em 26 set 2024.

[6]O significado da expressão encontra-se detalhadamente descrito na publicação do Repórter de Clima e Ciência da BBC News, Esme Stallard, disponível em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62517190. Acesso em 26 set 2024.

[7]Avanço da degradação mostra que fim do pantanal como bioma se aproxima. Jornal da USP, São Paulo-SP, 06 set. 2024. Disponível em: <https://jornal.usp.br/radio-usp/avanco-da-degradacao-mostra-que-fim-do-pantanal-como-bioma-se-aproxima/>. Acesso em 02 out. 2024.


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