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Desafios da Proteção do Consumidor Digital: O Papel do Projeto de Lei 3.514/2015

por Fernanda Rodrigues Endrissi

O Direito Consumerista tem buscado se adaptar às transformações do mercado, especialmente com o advento da internet. A promulgação do Marco Civil da Internet, do Decreto n. 7.962/2013 (Lei do E-commerce) e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) reflete essa preocupação.

No entanto, esses instrumentos legais ainda se mostram insuficientes para garantir o equilíbrio nas relações de consumo no ambiente digital, sobretudo no que se refere à responsabilidade das plataformas digitais, à proteção de dados pessoais, ao direito de arrependimento em compras online e à segurança dos consumidores em contratos eletrônicos internacionais.

O Projeto de Lei n. 3.514/2015 propõe diversas alterações no Código de Defesa do Consumidor – marco fundamental na proteção dos direitos dos consumidores no Brasil, com o objetivo de aprimorar suas disposições gerais e regulamentar de forma mais efetiva o comércio eletrônico. Além disso, busca aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais de consumo por meio de alterações no art. 9.º do Decreto-Lei nº 4.657 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

O projeto incorpora princípios como a interpretação mais favorável ao consumidor (artigo 3.º), a boa-fé objetiva, a prevenção e a reparação de danos, além de reforçar a autonomia do consumidor e seu direito à privacidade e à informação. Ainda, destacam-se as novas obrigações impostas aos fornecedores, como a necessidade de informações claras sobre ofertas e condições dos negócios jurídicos realizados por meio eletrônico, abrangendo compras individuais e coletivas (artigos 45-B a 45-E da Seção VII). Ademais, o projeto dialoga com a LGPD ao estabelecer o dever do fornecedor de informar autoridades competentes e consumidores sobre eventuais vazamentos de dados (art. 45-D, inciso VII).

Umas das alterações mais significativas que se pode observar no Projeto de Lei n. 3.514/2015 é a vedação do uso de algoritmos por fornecedores como forma de discriminação e assédio de consumo (artigo 6.º, incisos XI e XII). Essa prática, que pode levar à manipulação do usuário e ao consumo excessivo, é especialmente preocupante no contexto do comércio eletrônico, onde a coleta e o uso de dados são cada vez mais abrangentes. A proibição do uso indiscriminado de algoritmos para discriminação e assédio de consumo representa um avanço na proteção do consumidor digital, visando garantir um ambiente online mais justo e transparente.

No entanto, a falta de uma definição precisa sobre o que configura discriminação e assédio de consumo representa um desafio para a efetividade da norma, pois sua aplicação dependerá da interpretação dos órgãos competentes e da capacidade de fiscalização diante da dinâmica das novas tecnologias e práticas comerciais.

Em relação ao direito de arrependimento, as alterações propostas buscam expandir seu alcance e adaptá-lo às particularidades do comércio eletrônico. As vendas à distância foram equiparadas àquelas realizadas presencialmente, nas quais o consumidor não tem a oportunidade de conhecer previamente o produto ou serviço (§§ 2.º e 3.º do artigo 49 do Projeto de Lei nº 3.514/2015). O prazo de arrependimento de sete dias permanece, mas pode ser estendido para quatorze dias em caso de falha do fornecedor na confirmação imediata da aceitação da oferta ou no envio do formulário para o exercício do direito de arrependimento (incisos II e IV do artigo 49). Além disso, o projeto inova ao penalizar o fornecedor que não comunicar imediatamente a manifestação do exercício de arrependimento à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito, obrigando-o à devolução em dobro do valor pago (artigo 49, § 6.º e 7.º).

Por fim, o Projeto de Lei n. 3.514/2015 propõe uma alteração significativa na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) ao introduzir o artigo 9-B, que define o contrato internacional de consumo como aquele "realizado entre um consumidor pessoa natural e um fornecedor de produtos e serviços cujo estabelecimento esteja situado em país distinto daquele de domicílio do consumidor". Essa definição busca estabelecer parâmetros claros para a regulamentação de relações de consumo que transcendem as fronteiras nacionais, determinando a aplicação da lei do local de celebração do contrato ou, caso este seja executado no Brasil, a lei brasileira, desde que mais favorável ao consumidor.

Nesse sentido, o § 2.º do artigo 101 do Código de Defesa do Consumidor, alterado pelo projeto, reforça essa diretriz ao dispor que: "Aos conflitos decorrentes do fornecimento a distância internacional, aplica-se a lei do domicílio do consumidor, ou, desde que mais favorável a este, a norma estatal escolhida pelas partes, assegurado, em qualquer hipótese, o acesso do consumidor à Justiça".

Contudo, em um contexto de direito comparado, a identificação da legislação mais benéfica ao consumidor apresenta-se como um desafio complexo, suscetível a gerar um quadro de incertezas jurídicas, exigindo-se análises mais criteriosas e, em muitos casos, a instauração de litígios judiciais para a devida determinação da norma aplicável.

Ainda, a exclusão de pessoas jurídicas na definição de contrato internacional de consumo e a ausência de mecanismos efetivos de cooperação internacional para a fiscalização e aplicação das leis de proteção ao consumidor em transações internacionais são pontos que merecem mais atenção e debate para que a mudança legislativa não se limite a um mero formalismo, mas resulte em proteção real e efetiva ao consumidor no cenário globalizado.

A velocidade do comércio eletrônico e a expansão das transações internacionais exigem medidas mais eficazes para garantir a segurança e a transparência nas relações de consumo no ambiente digital, especialmente no que diz respeito à coleta e uso de dados dos internautas para fins de incentivo de consumo em massa e à criação de mecanismos de cooperação internacional para a resolução de conflitos e responsabilização em transações internacionais.

Apesar dos avanços trazidos pelo Projeto de Lei n. 3.514/2015, que foi aprovado pelo Senado Federal em 2015, mas ainda não foi submetido à votação na Câmara dos Deputados, a proteção do consumidor no ambiente digital exige aprimoramento contínuo. As mudanças legislativas propostas representam um importante passo, mas ainda são insuficientes para lidar com todas as complexidades do universo digital, demandando revisão e atualização permanentes das normas de proteção ao consumidor.

REFERÊNCIAS

ATZ, Ana Paula; et al. Comércio eletrônico e proteção digital do consumidor: o PL 3.514/2015 e os Direitos na atualização do CDC. Coordenação de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Claudia de Lima Marques e Fernando Rodrigues Martins. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2024.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.514, de 2015. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar as disposições gerais e incluir normas específicas para o comércio eletrônico. Brasília, DF, 2015. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2052488. Acesso em: 11 mar. 2025.

CANTO, Rodrigo Eidelvein do. A vulnerabilidade dos consumidores no Comércio Eletrônico: a reconstrução da confiança na atualização do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

SCHMIDT NETO, André Perin. O livre-arbítrio da Era do Big Data. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.

TEIXEIRA, Tarcísio. LGPD e E-commerce. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.


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