Uma introdução à análise econômica do direito: contribuições para eficácia das leis
por Luiza Haruko Macedo
A Análise Econômica do Direito (AED) oferece uma nova perspectiva para a compreensão do Direito. No entanto, ainda se verifica certo receio por parte de estudiosos do Direito em recorrer ao instrumental econômico, muitas vezes pela falsa premissa de que a Ciência Econômica se limitaria a cálculos e números. Uma ideia para desmistificar esse receio em relação aos conceitos econômicos seria entender que a Ciência Econômica está intrinsecamente relacionada (apesar de não limitada) à tomada de decisão do agente. As leis, dispostas pelo Direito, interseccionam diretamente com um dos objetos de estudo da Ciência Econômica que trabalha com a capacidade de prever os efeitos das normas na orientação dos padrões de comportamento desejados.
Com o objetivo de incentivar o debate e a reflexão sobre a relevância da Análise Econômica do Direito para o avanço do estudo jurídico, este texto se propõe a apresentar algumas contribuições introdutórias sobre o tema, as quais podem despertar no leitor o interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre como as bases teóricas fornecidas pela AED são relevantes para a compreensão do Direito e se apresentam como opção para a intepretação das normas, por fornecer preceitos para determinada tomada de decisão que considere a relevância econômica.
Em primeira perspectiva, pode-se afirmar que a AED é metodologia a ser aplicada empiricamente ao estudo de determinado objeto de relevância jurídica, o que abarca as divisões do Direito, tais como o estudo do Direito de Propriedade, Penal, Processual, dentre outros.
Para a leitura do Direito, entende-se viável o uso do aparato conceitual fornecido principalmente pela parte da Teoria Econômica denominada Microeconomia, tais como custos de produção, relação de mercado, sistema da livre iniciativa, falhas de mercado, oferta e demanda, maximização da utilidade, relação custo-benefício, eficiência, racionalidade, comportamento humano (behaviorismo), restrições institucionais, dentre outras que implicam em oferecer o aporte para embasar determinada escolha dos agentes econômicos, os quais devem ser compreendidos como qualquer pessoa física ou jurídica que movimenta ou interage em dado Sistema Econômico de determinada Nação.
Por ser um método, a Análise Econômica do Direito (AED) permite avaliar qualquer fenômeno juridicamente relevante, seja analisando o desempenho de uma regulação jurídica já existente em determinada situação, seja prevendo as possíveis consequências da implementação de normas ainda não adotadas. Ambas as abordagens estão focadas em entender como os agentes econômicos reagem no mercado diante das leis estabelecidas. Sob a perspectiva econômica, entende-se que as sanções funcionam de maneira similar aos preços, sendo provável que os indivíduos reajam de forma semelhante. Essa abordagem confere ao legislador maior previsibilidade sobre o comportamento do mercado e dos indivíduos, permitindo a criação de leis mais precisas e eficazes, o que reduz os custos de transação (Cooter; Ullen, 2010, p. 25-27). Além disso, quando a alocação jurídica é eficiente, a tendência é que os agentes negociem entre si, evitando o acionamento do aparato estatal.
Entre as obras consideradas fundadoras do movimento da AED destaca-se o artigo de Ronald Coase, The Problem of Social Cost (1960), que introduziu o conhecido Teorema de Coase e estabeleceu a ideia de que, em mercados sem custos de transação, as partes privadas podem negociar soluções eficientes para as externalidades, sem a necessidade de intervenção Estatal. O Teorema de Coase foi sintetizado por Posner (2009, p. 429) da seguinte maneira “se os custos de transação são iguais a zero, a primeira atribuição de um direito de propriedade (por exemplo, seja para o poluidor, seja para a vítima da poluição) não afetará a eficiência com que os recursos são alocados”.
Esse cenário somente ocorrerá em situações em que o direito de propriedade esteja bem definido. Caso contrário, os custos de transação deverão ser reduzidos pela intervenção do Estado ou pela internalização dos custos pelas próprias organizações (como as empresas). Assim, nos casos em que os custos de transação são altos, Coase entende que a alocação dos direitos de propriedade dependerá das regras formais, e não somente do acordo das partes.
Essa alocação legal, todavia, não será sempre a mais eficaz ou, mesmo, a mais eficiente, pois este não seria o critério principal do Direito, apesar de Coase enfatizar que os juízes e formuladores de políticas públicas deveriam sopesar os impactos econômicos (e por assim dizer, considerar o critério da eficiência), quando analisam casos que versam sobre os direitos de propriedade (Yeung; Camelo, 2024, p. 202).
Em análise ao exposto, é possível considerar que nem sempre a regra imposta pelo Direito – e, por assim ser, a decisão considerada justa – atende ao critério de eficiência econômica. É possível que uma decisão seja “justa”, mas não seja “eficiente”; o contrário também ocorre. Por isso, o ideal é que a lei seja feita pelos legisladores (e interpretada pelos juízes) de forma a considerar o critério da eficiência econômica para que ela seja justa e eficiente. Esse cenário reduziria os custos de transação das negociações.
É a partir desta perspectiva geral que algumas leituras e interpretações foram desenvolvidas sobre o preceito central proposto por Coase, com especial destaque ao Teorema Normativo de Coase, de autoria de Cooter e Ulen (2010, p. 110), que assim definem o ideal principiológico “estruture a lei de modo a remover os impedimentos aos acordos privados”.
Para os autores, “a redução dos custos de transação ‘lubrifica’ a negociação” (Cooter; Ulen, p. 109), o que viabiliza a negociação privada das partes, sendo este um objetivo jurídico. Esse foi, então, o princípio desenvolvido pelos economistas para os casos em que as leis são estruturadas de forma a reduzirem os custos de transação. Para os casos em que a lei falha, os autores estabelecem outro princípio normativo, qual seja, o Teorema Normativo de Hobbes, definido por Cooter e Ulen (2010, p. 110) como: “Estruture a lei de maneira a minimizar os danos causados pelas falhas nos acordos privados”. Na interpretação de Yeung e Camelo (2024, p. 203), as leis deveriam reduzir os custos de transação sempre que possível para viabilizar a negociação privada. Todavia, se os custos de transação forem elevados de maneira que inviabilizem a negociação, convém que a lei seja estruturada de forma a garantir o resultado mais eficiente possível, alocando os direitos de propriedade àqueles que mais os valorizam.
Os teoremas são considerados normativos por orientar os legisladores de forma prescritiva, isto é, indicam o que se espera que seja feito. Assim, funcionam como guias para a elaboração de leis mais eficazes, incentivando a atenção aos critérios econômicos e evitando a criação de normas ineficientes que não serão praticamente cumpridas.
Em conclusão, a AED apresenta um instrumental essencial para a formulação de leis mais eficazes, pois ao considerar os custos de transação, coloca olhares à necessária eficácia econômica das normas jurídicas. Neste sentido, os Teoremas Normativos de Coase e Hobbes, estruturados por Cooter e Ulen (2010, p. 110), orientam que as leis sejam elaboradas de forma a reduzir barreiras à negociação privada e minimizar falhas nos acordos, promovendo uma alocação mais eficiente dos recursos. Dessa forma, ao considerar a eficiência econômica na elaboração e interpretação das normas, a AED permite que as leis sejam mais adaptadas às necessidades do mercado e da sociedade, reduzindo ineficiências e promovendo resultados justos e eficientes.
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Referências Bibliográficas
COASE. Ronald. O problema do custo social. The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies. Vol. 3: No. 1, Article 9, 2008.
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. Tradução: Luís Marcos Sander e Francisco Araújo da Costa. 5ª edição. Porto Alegre: Bookman, 2010.
POSNER, Richard A. Para além do Direito. Trad. Evandro Silva. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.
SALAMA, Bruno Meyerhof. O que é Direito e Economia?. In: TIMM, Luciano B. (org.). Direito e Economia, 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. Republicação: RODRIGUEZ, José Rodrigo (org.). Fragmentos para um Dicionário Crítico de Direito e Desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011. Disponível em: <https://works.bepress.com/bruno_meyerhof_salama/16/>. Acesso em 10.09.2024
YEUNG, Luciana; CAMELO, Bradson. Introdução à Análise Econômica do Direito. 2.ed. São Paulo: Juspodivm, 2024.