Alienação parental de idosos: uma impensável realidade
Quando falamos em alienação parental, a primeira imagem que vem à mente é o clássico exemplo da doutrina, de um casal de pais recém separados que, ao compartilharem filhos em comum, um deles (ou ambos) age de modo a promover na criança o repúdio pelo outro genitor.
O que poucos sabem, no entanto, é que a prática de alienação parental não se restringe apenas a incutir nos filhos o desprezo pelo outro progenitor, mas referido ato deliberado de afastamento de uma pessoa de seus familiares ou amigos pode também ter como alvo as pessoas idosas.
Isso porque, muito embora a Lei da Alienação Parental - Lei nº 12.318/2010 - a conceitue como aquela ação de interferir na formação psicológica da criança e do adolescente, a vulnerabilidade da pessoa idosa permite a sua equiparação à condição da criança (ou adolescente) prescrita na referida lei.
Para Rolf Madaleno[1], a condição de vulnerabilidade da pessoa idosa - abarcada pela Constituição Federal e pelo Estatuto do Idoso - permite mais facilmente que estas pessoas estejam suscetíveis à coação, por ocultos propósitos, daqueles que queiram lhe tirar proveito.
Semelhantemente ao fato de a criança ser um “alvo fácil”, os idosos podem também ser excluídos do convívio com outros familiares, em razão de, na maioria das vezes, ser a parte mais frágil da relação. Podem, assim, ser mais facilmente manipulados por parentes que almejam, por exemplo, bens em pecúnia, herança, ou quaisquer outros tipos de privilégios em detrimento do convívio do idoso com demais familiares.
Em observância a tal fato social e em conformidade com a analogia jurídica, tem-se, nos últimos anos, discutido e reconhecido a viabilidade de aplicação, por analogia, da alienação parental, prevista na lei especificamente para crianças e adolescentes, com fins de incluir pessoas idosas também na proteção, denominando-a como uma alienação parental inversa, isto é, quando um ou mais filhos conseguem fazer seus pais (idosos) rechaçarem o convívio com os demais.
Os tribunais pátrios, nesse sentido, já têm proferido decisões que reconhecem a aplicabilidade do previsto na Lei de Alienação Parental, de forma analógica, a casos em que a pessoa idosa é vítima da prática. O TJSP[2], por exemplo, em recente decisão, reconheceu a incidência de alienação parental inversa e infligiu, como sanção, medida protetiva em face do alienador (agressor).
O status similar de vulneráveis da criança/adolescente e do idoso pode ser percebido também nas leis específicas que os tutelam. O Estatuto da Criança e do Adolescente e Estatuto do Idoso assemelham-se nas normas que protegem seus tutelados, com redação parecida em seus arts. 4º e 3º, respectivamente, os quais discorrem acerca da obrigação da família, da comunidade, do Estado e da sociedade de assegurarem os direitos dos infantes e dos idosos. Ambas as leis tratam a respeito da proteção integral de seus tutelados bem como baseiam-se na defesa dos princípios constitucionais de proteção ao idoso, à criança e ao adolescente, principalmente respaldadas pelos princípios da solidariedade e dignidade da pessoa humana.
Em que pese as similaridades dos referidos Estatutos, há uma crucial diferença entre eles no que se refere especificamente à alienação parental. Isto porque, enquanto o ECA discorre sobre a temática e tutela o direito de seus amparados (por meio de alterações das leis n.º 12.318/2014 e n.º 14.340/2022), o Estatuto do Idoso, assim como a Lei n.º 12.318/2014, não abarcou a proteção da pessoa senil a atos de alienação parental.
Tal cenário, contudo, tende a ser modificado. Desde 2017, tramita o Projeto de Lei n.º 9.446/2017, que visa acrescentar o idoso no rol de vítimas da alienação parental, por meio da alteração do Estatuto do Idoso (art. 10), a fim de prever a responsabilização civil para os que praticarem abandono afetivo e alienação parental contra pessoas idosas.
Se aprovado, o projeto de lei alterará a redação dada pela Lei n.º 12.318/2010, passando a conceituar a alienação parental como
a interferência na formação psicológica da criança, adolescente ou diminuição e alteração de faculdades psíquicas do idoso, promovida ou induzida por um dos genitores, avós, familiares de até terceiro grau ou pelos que tenham a criança, o adolescente ou o idoso sob a sua autoridade, guarda, curatela ou vigilância para que repudie genitor, filhos ou membros da família que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com estes.[3]
A demora no tramitar do projeto é um dos fatores que, de forma indireta, acaba por agravar o problema. Até porque, os atos de alienação parental, na maioria das vezes, vêm acompanhados, além dos danos psicológicos, de outras condutas ilícitas, como a apropriação ou desvio de bens, ameaças, coação ou indução a erros, as quais podem gerar danos patrimoniais e até físicos ao idoso, e isso, por óbvio, deve ser combatido por toda a sociedade.
A ausência de uma norma expressa para tutelar o direito dos idosos contra a alienação parental acaba por contribuir para a desinformação da sociedade acerca do tema. Apesar da aplicação atual por analogia da alienação parental aos idosos, poucos sabem de tal incidência e se socorrem do judiciário para afastar a prática.
São poucas, ainda, as demandas que chegaram ao Poder Judiciário sobre o tema, e não porque sejam poucos os casos, mas sim porque não há consciência social acerca de sua definição e existência, o que torna o problema ainda maior.
A boa convivência familiar é um direito de todos e, quando necessária, precisa ser resguardada pelo judiciário.
Com base em todas as garantias previstas ao idoso, relacionadas à dignidade da pessoa humana, à vulnerabilidade, à de convivência familiar, dentre outros, a aplicação análoga da Lei n.º 12.318/2010 é medida imprescindível para salvaguardar a proteção daqueles que são privados de sua convivência familiar, em razão de ódio instigado pela família, filhos ou cuidadores, enquanto espera-se, de forma esperançosa, pela promulgação da lei que caminha a passos vagarosos.
Assim, em virtude da ausência de norma expressa que tutele o direito do idoso ante à prática da alienação parental, necessário se faz a continuidade da aplicação por analogia da Lei n.º 12.318/2010, respaldada nos princípios constitucionais do melhor interesse do idoso, a fim de garantir seu bem-estar, sua integridade psicológica, bem como a proteção patrimonial.
A violência e o descaso a que os idosos são submetidos, por vezes, é despercebido ou não recebe a atenção necessária. Por também gozarem de proteção especial, é que se tem admitido, corretamente, a ampliação interpretativa de normas constitucionais e infraconstitucionais, a fim de garantir uma melhor tutela de seus direitos fundamentais. Por isso, a luta deve permanecer constante para a proteção integral da pessoa idosa, que lamentavelmente, possui nítida disparidade legal se comparado ao tratamento dispendido a outros vulneráveis, como a criança.
[1]MADALENO, ROLF. Manual de direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 531.
[2]SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 1032680-57.2019.8.26.0001 – Voto nº 39.227 da 10ª Câmara de Direito Privado. Relator: Elcio Trujillo. São Paulo, 22 de janeiro de 2021.
[3] BRASIL. Projeto de Lei n.º 9.446/2017, de 20 de dezembro de 2017. Altera a Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, e a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.