Possibilidade de parcelamento do crédito nos autos de cumprimento de sentença
Sob a ótica do cumprimento de sentença, quando vigente o antigo Código de Processo Civil de 1973, era relevante a discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de parcelamento do débito perquirido pelo credor. A respeito, o STJ, em interpretação conjunta dos então vigentes art. 745-A (que previa o parcelamento do débito em sede de execução de título extrajudicial) e art. 475-R (que permitia aplicação subsidiária das disposições da execução ao cumprimento de sentença), ambos do CPC/1973, balizou seu entendimento no sentido de que o parcelamento da dívida poderia ser requerido pelo devedor também na fase de cumprimento de sentença, no prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, caput, do CPC/1973 (v.g. STJ, REsp n. 1.264.272/RJS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 15/5/2012).
O CPC de 2015 também previu a aplicação subsidiária ao cumprimento de sentença dos ditames legais destinados à execução de título extrajudicial. No entanto, o art. 916, § 7.º do CPC/2015 prevê que não se aplica a benesse do parcelamento da dívida exequenda aos autos de cumprimento de sentença.
Logo, a princípio, por expressa previsão legal, restou vedado o parcelamento do crédito exequendo nos autos de cumprimento de sentença.
Importante ponto a se destacar é o fato de que, quando vigente o CPC/1973, o fundamento à aplicabilidade do parcelamento do débito no processo executivo ao cumprimento de sentença decorria da ausência de regramento específico sobre o tema, sendo a aplicação dada de forma subsidiária.
Visto isso, a construção legislativa que culminou na incrementação do art. 916, § 7.º, do CPC/2015, nos faz refletir sobre os sustentáculos precípuos que regem como um todo o processo de execução, seja ele decorrente de título executivo judicial ou extrajudicial.
Primeiramente, têm-se que o processo de execução – e aqui fazemos referência a ambas modalidades, decorrentes tanto de créditos consubstanciados em títulos executivos judiciais ou extrajudiciais – é pautado primordialmente nos interesses do credor, cuja atividade executiva deve ser balizada sob o vértice da tutela do crédito (art. 797, do CPC/2015), haja vista ser o credor exequente detentor de obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo. Nada obstante, também se sobressalta que o juízo condutor do processo executivo deverá igualmente prezar pelo princípio da menor onerosidade ao devedor (art. 805, do CPC/2015), sendo que a atividade jurisdicional não deverá atingir a esfera jurídica do devedor executado de modo desmedido.
Deve-se, portanto, sopesar a atuação executiva, de modo que, nas palavras de José Miguel Garcia Medina na obra Curso de Direito Processual Civil Moderno (6.ª ed. rev. atual e ampl., São Paulo: Thomson Reuters, 2021. p. 1013), “as medidas executivas devem ser realizadas observando-se a menor onerosidade (ou menor restrição possível) da medida executiva e máxima efetividade (ou do resultado) da execução, que nada mais são do que elementos do critério da proporcionalidade”.
Partindo da premissa da proporcionalidade, conforme salientado na lição doutrinária supra descrita, à primeira vista de forma corriqueira, não é incomum chegar à conclusão de que o parcelamento da dívida pelo executado poderia se permear do caráter “menos oneroso” das medidas executivas, perfilando assim o princípio insculpido no art. 805, do CPC/2015. Ou seja, afigurar-se-ia possível, ao menos em tese, impor certa flexibilização à regra impositiva do art. 916, § 7.º, do CPC, estendendo o parcelamento do crédito ao cumprimento de sentença, haja vista que, nada obstante, as disposições do CPC/2015 previstas à execução de título extrajudicial são subsidiariamente aplicáveis ao cumprimento de sentença, no que couber, por óbvio (art. 543, do CPC/2015).
Equivocado raciocínio, contudo.
Através do julgamento do REsp n. 1.891.577/MG, a Terceira Turma do STJ, corroborando a redação dada ao art. 916, § 7.º, do CPC, consubstanciou o entendimento de que o art. 805, do CPC/2015, por ser exceção à regra da primazia pela satisfação do crédito, não pode subverter a lógica de todo o processo de execução, de modo a conferir mais vantagens ao devedor em detrimento do credor.
Não somente neste ponto, o Min. Marco Aurélio Belizze, relator do caso, consignou que a extensão do parcelamento do crédito ao cumprimento de sentença poderia acarretar em outros prejuízos ao exequente, tais como a não incidência de multa e honorários advocatícios decorrentes do não pagamento voluntário pelo executado no prazo de 15 (quinze) dias (art. 523, § 1.º, do CPC/2015), bem como a maior delonga no recebimento do crédito, tendo em vista que o credor está desde o ajuizamento da ação de conhecimento em busca da prestação pecuniária que lhe é devida.
Agregando ao que foi dito, a Ministra Nancy Andrighi, através do voto-vista proferido no caso, ponderando sobre a impossibilidade de flexibilização do art. 916, § 7.º, do CPC/2015, pontuou que o processo de execução e a fase procedimental de cumprimento de sentença possuem natureza completamente distinta, uma vez que para se permitir o parcelamento nos autos executivos, deverá o executado reconhecer o crédito que deve ao exequente (art. 916, caput, do CPC/2015), e, ainda, renunciar o direito de opor embargos à execução (§ 6.º do mesmo artigo).
Lado outro, em se tratando de cumprimento de sentença, tais opções não aproveitam ao devedor, pois, por decorrer de ordem judicial, não cabe ao executado reconhecer ou não o crédito que é devido ao credor. Não somente, também não se fala em renúncia do devedor à apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença, eis que não se trata de ação autônoma, mas sim de incidente processual, cuja cognição nele dirimida é menos complexa e aprofundada quando comparada aos embargos à execução.
Nota-se, contudo, que, apesar de restar incontroversa a impossibilidade de extensão do parcelamento da dívida, prevista na execução, ao cumprimento de sentença – ainda que determinada pelo juízo, ex oficio – fez-se a ressalva quanto ao parcelamento convencional, decorrente de transação efetuada entre as partes, o qual, nas palavras da Ministra Nancy Andrighi, ocorre à luz dos princípios da livre disponibilidade da execução e da autonomia da vontade, cujo credor poderá dispor da forma como melhor lhe aprouver ao recebimento do crédito que é devido.
Nessa toada, muito embora recente o julgamento do REsp n. 1.891.577/MG pelo STJ, depreende-se que desde já passou a reverberar nos Tribunais de Justiça Pátrios, como é o caso do TJPR, cuja 7.ª Câmara Cível, ao julgar o Agravo de Instrumento n. 0033668-72.2022.8.16.0000 entendeu que, ressalvadas as particularidades daquele caso concreto, nada impede que o credor e o devedor transacionem, pactuando o parcelamento do valor devido, em observância ao precedente coligido pelo STJ (TJPR, 7ª C.Cível, 0033668-72.2022.8.16.0000, Rel. Des. Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, j. 30.09.2022).