STJ julga dois importantes recursos sobre a posição do credor fiduciário no contexto da Lei n. 9.514/1997
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça julgou dois importantes recursos relativos a controvérsias envolvendo a posição do credor fiduciário no contexto da Lei n. 9.514/1997.
O primeiro foi o Recurso Especial n. 1.965.973/SP, julgado pela 3.ª Turma aos 15.02.2022, sob a relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva[1], ocasião em que se assentou o entendimento de que o credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel pode optar pela execução judicial ou pela excussão extrajudicial da garantia, nos termos da Lei n. 9.514/1997. Da própria ementa se extrai que “Ao credor fiduciário é dada a faculdade de executar a integralidade de seu crédito judicialmente, desde que o título que dá lastro à execução esteja dotado de todos os atributos necessários – liquidez, certeza e exigibilidade”.
Na origem, a discussão levantada pelo devedor, via exceção de pré-executividade, foi no sentido de que o credor, ao promover a execução de título extrajudicial, teria escolhido o meio de cobrança mais gravoso mesmo tendo à sua disposição o procedimento extrajudicial, que seria, na sua visão, seria mais célere e eficaz.
O acertado posicionamento da Corte Superior, confirmando o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, teve como principais fundamentos os seguintes pontos: (i) a cédula de crédito bancário, que embasou a execução, é título executivo extrajudicial (cf. art. 28 da Lei n. 10.931/2004) e, inexistindo discussão acerca da sua liquidez, certeza e exigibilidade, estaria autorizado o ajuizamento da execução (cf. art. 580 do CPC/1973 e do art. 786 do CPC/2015); (ii) a constituição da garantia fiduciária como obrigação acessória não modifica o direito do credor de executar seu crédito; (iii) a execução judicial pode ser a solução mais eficaz em determinados casos, notadamente porque há questão controvertida nos tribunais a respeito da possibilidade de o credor fiduciário exigir o saldo remanescente se o produto obtido com a venda extrajudicial do bem imóvel dado em garantia não for suficiente para a quitação integral do seu crédito, ou se não houver interessados em arrematar o bem no segundo leilão; e (iv) a execução judicial pode até ser considerada mais vantajosa ao devedor, já que no âmbito do procedimento extrajudicial não é possível, por exemplo, a apresentação de defesa e a produção de provas.
Afirma-se que cuidou-se de posicionamento acertado, tanto do Tribunal local quanto do STJ, porque não parece razoável admitir que o credor munido de título executivo extrajudicial de obrigação líquida, certa e exigível, que dispensou cautela adicional ao exigir garantia de alienação fiduciária de imóvel, esteja impedido de mover ação de execução do título, que inclusive pode contar com outros responsáveis pela dívida, como fiadores e avalistas, por ter à sua disposição ferramenta que viabilize, no âmbito extrajudicial, a execução da garantia. Entendimento em sentido contrário estaria, inclusive, violando a garantia constitucional de acesso à justiça (cf. art. 5.º, inc. XXXV, da CF).
O segundo julgado relevante também envolve a situação jurídica do credor fiduciário no contexto da Lei n. 9.514/1997. Trata-se do Agravo em Recurso Especial n. 1.796.224/SP, julgado aos 16.11.2021 pela 1.ª Turma, sob a relatoria do Min. Gurgel de Faria[2], ocasião em que se entendeu que o credor fiduciário não responde por dívida de IPTU antes da consolidação de propriedade e da imissão na posse: o “[...] marco temporal para a transferência da responsabilidade ao credor fiduciário, que passa a responder pelos créditos tributários e não tributários incidentes sobre o bem a partir da consolidação da propriedade do imóvel em conjunto com a sua imissão na posse do bem, em hipótese de sucessão”.
Do acórdão se extrai a premissa de que a propriedade conferida ao credor fiduciário “é despida dos poderes de domínio/propriedade (uso, gozo e disposição), sendo a posse indireta por ele exercida desprovida de ânimo de domínio, considerando-se a inexistência do elemento volitivo: a vontade de ter o bem como se seu fosse”.
O que se vê dos julgados acima mencionados é que constantemente o Superior Tribunal de Justiça vem examinando, em acórdãos e decisões monocráticas, a matéria relativa à interpretação dos dispositivos da Lei n. 9.514/1997. Esse contexto revela não só que há muitas controvérsias ainda não resolvidas envolvendo o procedimento extrajudicial para execução da garantia fiduciária, mas também que se trata de instrumento cada vez mais comum e cada vez mais utilizado, no ambiente bancário e fora dele.
[1] RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. PACTO ADJETO. EXECUÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se o credor de dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel está obrigado a promover a execução extrajudicial de seu crédito na forma determinada pela Lei nº 9.514/1997. 3. Hipótese em que a execução está lastreada em Cédula de Crédito Bancário. 4. A Cédula de Crédito Bancário, desde que satisfeitas as exigências do art. 28, § 2º, I e II, da Lei nº 10.931/2004, de modo a lhe conferir liquidez e exequibilidade, e desde que preenchidos os requisitos do art. 29 do mesmo diploma legal, é título executivo extrajudicial. 5. A constituição de garantia fiduciária como pacto adjeto ao financiamento instrumentalizado por meio de Cédula de Crédito Bancário em nada modifica o direito do credor de optar por executar o seu crédito de maneira diversa daquela estatuída na Lei nº 9.514/1997 (execução extrajudicial). 6. Ao credor fiduciário é dada a faculdade de executar a integralidade de seu crédito judicialmente, desde que o título que dá lastro à execução esteja dotado de todos os atributos necessários - liquidez, certeza e exigibilidade. 7. Recurso especial não provido. (STJ, REsp 1965973/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/02/2022, DJe 22/02/2022)
[2] TRIBUTÁRIO. IPTU. SUJEITO PASSIVO. IMÓVEL OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CREDOR. RESPONSABILIDADE ANTES DA CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos, consolidou o entendimento de que cabe ao legislador municipal eleger o sujeito passivo do IPTU, entre as opções previstas no CTN. 2. A jurisprudência desta Corte, interpretando o art. 34 do CTN, também orienta não ser possível a sujeição passiva ao referido imposto do proprietário despido dos poderes de propriedade, daquele que não detém o domínio útil sobre o imóvel ou do possuidor sem ânimo de domínio. 3. O credor fiduciário, antes da consolidação da propriedade e da imissão na posse no imóvel objeto da alienação fiduciária, não pode ser considerado sujeito passivo do IPTU, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 34 do CTN. 4. Agravo conhecido e provido o recurso especial. (STJ, AREsp 1796224/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 09/12/2021)