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O julgamento da “tese do século” pelo STF: a modulação de declaração de inconstitucionalidade tributária

Em sessão realizada na última quinta-feira (13/05), o Plenário do Supremo Tribunal Federal finalmente julgou os embargos de declaração opostos pela União no Recurso Extraordinário (RE) 574.706, com repercussão geral (Tema 69), onde restou fixada a tese  de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”.

A União buscava, por meio dos embargos de declaração, em síntese, a modulação dos efeitos da decisão favorável ao contribuinte, para que este entendimento só tivesse eficácia prospectiva, a partir da data do julgamento dos embargos declaratórios, bem como que o ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições em voga fosse o efetivamente pago e não aquele destacado na nota fiscal de saída.

Houve o acolhimento parcial do recurso da União pela Suprema Corte, com a aplicação do instituto da modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos: “O Tribunal, por maioria, acolheu, em parte, os embargos de declaração, para modular os efeitos do julgado cuja produção haverá de se dar após 15.3.2017 - data em que julgado o RE nº 574.706 e fixada a tese com repercussão geral ""O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS"" -, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio”.[1]

Assim, os contribuintes que ajuizaram ações questionando a cobrança tida por inconstitucional pelo STF até 15/03/2017 (data do julgamento do RE 574.706) terão o direito de realizar a restituição dos valores pagos à maior nos últimos 5 anos, contados da data do ajuizamento da ação.

Já os contribuintes que ingressaram com ações judiciais a partir de 16/03/2017 só terão o direito de restituir os valores eventualmente pagos indevidamente a partir de 16/03/2017, restando vedada a restituição de valores pagos no último quinquênio anterior ao ajuizamento da demanda judicial. Esta regra, segundo nosso entendimento, seria aplicável, a princípio, às ações ajuizadas a partir de 16/03/2017 quando a respectiva decisão de mérito ainda não tiver transitado em julgado.

Quanto ao ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS, o STF, por maioria, reiterou tratar-se do ICMS destacado e não o pago, vencidos os Ministros  Nunes Marques, Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

No que tange à modulação dos efeitos da decisão, o entendimento externado no julgamento em questão guardou coerência com o posicionamento adotado pela Corte em julgamentos anteriores e que já vinha sendo esperado também pela maior parte dos advogados tributaristas do país neste julgamento. Por exemplo, José Miguel Garcia Medina, um dos autores do presente trabalho, havia externado essa possibilidade, em texto recentemente publicado.[2]

Em que pese, de um lado, se tenha buscado prestigiar a segurança jurídica no sentido de proteger a União e o interesse público quanto a um novo entendimento jurisprudencial, em razão do impacto econômico no caso da ausência de modulação – a PGFN alegava haver um valor de  R$ 250 bilhões a ser restituído no caso de inexistência de modulação da decisão – de outro, restou preservado o direito daqueles contribuintes que ingressaram com suas ações antes do julgamento realizado pelo STF. A decisão, portanto, buscou equilibrar o interesse do fisco e o interesse dos contribuintes, de forma a minimizar os impactos para aqueles que dependem dos serviços públicos, que poderiam ser afetados em virtude de “rombo” que seria causado pela restituição a ser suportada pela União em virtude da ausência de modulação.

Uma questão não restou suficientemente resolvida na decisão, no que diz respeito às ações que foram ajuizadas após 15/03/2017 e já tiveram certificado seu trânsito em julgado, com decisão favorável ao contribuinte para restituição dos valores pagos indevidamente nos 5 anos que antecederam ao ajuizamento da ação.

Nestes casos, estaria a União autorizada a ingressar com ação rescisória? A PGFN poderia buscar, por exemplo, um enquadramento da medida excepcional com fundamento no art. 966, V, c/c § 5º, do CPC, que dispõe: ”§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento”.

Ainda quanto ao cabimento da rescisória, a Fazenda Pública pode também tentar justifica-lo em virtude da disciplina prevista nos §§ 5º a 8º do art. 535 do CPC/2015: “§5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. § 6º No caso do § 5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica. § 7º A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 5º deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda. § 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal”.

Entendemos que não seriam aplicáveis os mencionados dispositivos neste caso. Isso porque o § 5º do art. 535 do CPC/2015 se refere a inexequibilidade de decisões fundadas em lei ou ato normativo, ou sua respectiva aplicação ou interpretação,  considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Pressupõe-se, portanto, a existência de uma norma jurídica que ancorou uma condenação contra a Fazenda Pública, e que, posteriormente, esta norma jurídica teve sua inconstitucionalidade reconhecida pelo STF em controle difuso ou concentrado de constitucionalidade. Ou seja, para a aplicação dos §§ 5º a 8º do art. 535 do CPC/2015 é imprescindível que se verifique uma decisão superveniente do STF que declare inconstitucional o ato normativo que fundamentou a condenação contra a Fazenda Pública, o que não reflete o caso do Tema 69 do STF, haja vista que neste caso as sentenças que transitaram em julgado se fundamentaram em decisão de inconstitucionalidade proferida pelo STF em julgamento RE com repercussão geral. Inexiste, portanto, lei aplicada contra a Fazenda Pública que posteriormente foi reconhecida inconstitucional pelo STF, o que afasta a aplicação dos §§ 5º a 8º do art. 535 do CPC/2015.

A ação rescisória  deve ser reservada para casos de extrema exceção, ao passo que visa desconstituir primado essencial à preservação da segurança jurídica, que é a coisa julgada, inclusive alçada à condição de cláusula pétrea pelo constituinte.

Por esta razão, não nos parece acertado defender o cabimento de rescisória no caso, a fim de rescindir decisão fundada em entendimento jurisprudencial fixado em sede repercussão geral posteriormente superado, ainda que em parte, ou alterado em virtude da modulação dos efeitos da decisão, como ocorreu no caso em apreço.

Isso porque a jurisprudência se posiciona no sentido do não cabimento de ação rescisória na hipótese do julgado estar em consonância com o entendimento firmado pelo Plenário do STF à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que sobrevenha no futuro superação do precedente. Este entendimento ficou assentado no julgamento do RE 590.809/RS, julgado em 22/10/2014, com repercussão geral (Tema 136 STF), que afastou o cabimento de ação rescisória que visa desconstituir julgado com base em nova orientação da Corte em caso onde se discutia o creditamento de IPI pela aquisição de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero.

Vale ainda destacar que pendem de julgamento no Supremo dois processos com repercussão geral reconhecida (RE 949297 - Tema 881 e RE 955227 – Tema 885) onde também se discute a eficácia e os limites da coisa julgada em matéria tributária. Esses casos também serão objeto de nossas reflexões, em textos vindouros.

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[1] Cf. andamento do feito disponível em: , acesso em 17.05.2021.

[2] Disponível em: <https://medina.adv.br/modulacao-de-declaracao-de-inconstitucionalidade-em-materia-tributaria-e-o-julgamento-do-recurso-extraordinario-574706-pelo-supremo-tribunal-federal/>, acesso em 17.05.2021.


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