Inconstitucionalidade da MP 1.227 e a Insegurança Jurídica para a Atividade Empresarial
A Medida Provisória 1.227, publicada nesta semana, enfrenta graves problemas de inconstitucionalidade. A meu ver, essa medida viola uma das bases fundamentais do Estado Constitucional Democrático de Direito: a segurança jurídica.
O texto da Medida Provisória, conforme publicado no Diário Oficial da União em 4 de junho de 2024, tem como propósito limitar e revogar regras relacionadas à compensação de tributos federais. Em termos simples, a compensação tributária permite ao contribuinte utilizar créditos que tenha contra a União, Estados e Municípios para abater ou eliminar débitos tributários. Com isso, ocorre a extinção do tributo devido.
No entanto, a MP 1.227 impõe restrições severas à compensação de créditos relativos a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda. Além disso, revoga hipóteses de ressarcimento e compensação de créditos presumidos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins. Essa limitação gera grave insegurança jurídica para vários segmentos da economia, que possuem créditos de PIS/Pasep e Cofins e não poderão utilizá-los para abater os tributos devidos. Isso afeta diretamente o fluxo de caixa das empresas, aumentando os custos operacionais e, por consequência, impactando negativamente a cadeia produtiva, o emprego e, eventualmente, o bolso do consumidor.
Além disso, a medida entrou em vigor na data de sua publicação. Esse ""efeito surpresa"" prejudica a confiança dos empresários nos atos estatais. Como investir, se a qualquer momento as regras fiscais podem ser alteradas? Essa preocupação vale também para os cidadãos em geral. Afinal, se o governo pode surpreender os empresários, pode também agir de forma inesperada em relação a outros segmentos da sociedade.
Na área jurídica, existe uma figura conhecida como ""vacatio legis"". Significa que uma nova regra jurídica entrará em vigor após algum tempo de sua publicação oficial. Isso permite, por exemplo, que as pessoas planejem suas vidas. No caso das empresas, toda sorte de estratégias é afetada, desde o ramo em que investir, quantos empregados contratar, onde fixar sua sede, quanto dinheiro aplicar em um negócio, etc. Porém, a Medida Provisória 1.227 entrou em vigor imediatamente, logo após sua publicação.
Isso também tem impacto na judicialização. Inevitavelmente, os contribuintes irão à justiça para pedir a suspensão dessa cobrança. Muito se reclama no Brasil sobre a grande quantidade de execuções fiscais em trâmite, acusando os contribuintes de não quererem pagar seus tributos. Mas o problema não está sempre no contribuinte. Há quem diga que o maior culpado pela judicialização fiscal é o próprio Estado, ou seja, a União, os estados e os municípios. Regras como a criada pela Medida Provisória aqui examinada fazem com que o contribuinte recorra sempre que possível, porque o Estado, nunca satisfeito em sua fúria arrecadatória, deseja sempre cobrar mais, arrecadar mais.
Como advogado, ex-conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente da Comissão Nacional de Acesso à Justiça da mesma entidade, permito-me sugerir a esta tão importante entidade que considere pedir a suspensão dos efeitos dessa Medida Provisória ao Supremo Tribunal Federal. Medida tão radical, estabelecida em inovação legislativa de aplicação imediata, sem previsão de vacatio legis ou de regras claras de transição, é algo inaceitável no Estado de Direito, pois é incompatível com o princípio da segurança jurídica e com o princípio da confiança dos cidadãos nos atos do Estado.