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A responsabilidade do provedor de aplicação de internet pela exclusão de publicações que ofendam a imagem de menores e o recente entendimento do STJ sobre o tema

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça determinou que é dever do provedor de internet promover a exclusão de publicações e conteúdos que violem direitos de crianças e adolescentes, tão logo seja informado de sua natureza ofensiva, independente de ordem judicial que estipule tal conduta, conforme se confere a seguir:

DIREITO CIVIL, INFANTOJUVENIL E TELEMÁTICO. PROVEDOR DE APLICAÇÃO. REDE SOCIAL. DANOS MORAIS E À IMAGEM. PUBLICAÇÃO OFENSIVA. CONTEÚDO ENVOLVENDO MENOR DE IDADE. RETIRADA. ORDEM JUDICIAL. DESNECESSIDADE. PROTEÇÃO INTEGRAL. DEVER DE TODA A SOCIEDADE. OMISSÃO RELEVANTE. RESPONSABILIDADE CIVIL CONFIGURADA. 1. O Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 18) e a Constituição Federal (art. 227) impõem, como dever de toda a sociedade, zelar pela dignidade da criança e do adolescente, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com a finalidade, inclusive, de evitar qualquer tipo de tratamento vexatório ou constrangedor. 1.1. As leis protetivas do direito da infância e da adolescência possuem natureza especialíssima, pertencendo à categoria de diploma legal que se propaga por todas as demais normas, com a função de proteger sujeitos específicos, ainda que também estejam sob a tutela de outras leis especiais. 1.2. Para atender ao princípio da proteção integral consagrado no direito infantojuvenil, é dever do provedor de aplicação na rede mundial de computadores (Internet) proceder à retirada de conteúdo envolvendo menor de idade - relacionado à acusação de que seu genitor havia praticado crimes de natureza sexual - logo após ser formalmente comunicado da publicação ofensiva, independentemente de ordem judicial. 2. O provedor de aplicação que, após notificado, nega-se a excluir publicação ofensiva envolvendo menor de idade, deve ser responsabilizado civilmente, cabendo impor-lhe o pagamento de indenização pelos danos morais causados à vítima da ofensa. 2.1. A responsabilidade civil, em tal circunstância, deve ser analisada sob o enfoque da relevante omissão de sua conduta, pois deixou de adotar providências que, indubitavelmente sob seu alcance, minimizariam os efeitos do ato danoso praticado por terceiro, o que era seu dever. 2.2. Nesses termos, afigura-se insuficiente a aplicação isolada do art. 19 da Lei Federal n. 12.965/2014, o qual, interpretado à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, não impede a responsabilização do provedor de serviços por outras formas de atos ilícitos, que não se limitam ao descumprimento da ordem judicial a que se refere o dispositivo da lei especial. 3. Recurso especial a que se nega provimento”. (STJ, REsp 1783269/MG, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 18/02/2022)

O julgamento da controvérsia, tal como se nota do fragmento da mencionada decisão, foi realizado aos 14/12/2021, com a íntegra de seu conteúdo publicada em 18/02/2022, tendo recebido destaque no Informativo de Jurisprudência n. 723 da aludida Corte Superior.1

No recurso interposto, que deu origem ao conteúdo decisório em exame, o provedor de internet, com o intuito de afastar a condenação ao pagamento de indenização, valeu-se do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014)2, afirmando que sua responsabilidade em indenizar apenas se configuraria em eventual descumprimento de ordem judicial.

Em seu voto, que foi seguido pela maioria dos integrantes da Turma, o Relator Ministro Antonio Carlos Ferreira consignou que a proteção ao menor não deve ser prejudicada pela falta de determinação judicial que estipule a retirada de conteúdos que violem sua dignidade.

A posição da Corte Superior se encontra em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e com a Constituição Federal, nos artigos 183 e 2274, que preveem que é dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente e reprimir qualquer conduta que contrarie essa premissa.

Além de citar expressivas críticas doutrinárias relacionadas ao Marco Civil da Internet5, assinalou o Ministro Antonio Carlos Ferreira que o dispositivo mencionado pelo provedor de internet em suas alegações não deve ser interpretado de maneira isolada e tampouco dissociada do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal.

Em que pese o texto do artigo 19 da Lei n. 12.965/2014 submeter a responsabilização civil do provedor ao descumprimento de determinação judicial, não se pode ignorar a existência de uma imposição legal, com eficácia erga omnes que prevê a necessidade de todos os integrantes da sociedade agirem como protetores dos direitos dos menores.

Neste sentido, afirma o Ministro que “o ECA possui caráter ‘especialíssimo’, prevalecendo como sistema protetivo da Criança e do Adolescente, em detrimento da lei regente do serviço de informação prestado pelo provedor de internet”, acrescentando que “é essencial que as normas disciplinares da responsabilidade do provedor sejam analisadas sob o enfoque da proteção integral do menor”.

Ademais, citando outros julgados, o Ministro reforça a posição do STJ no sentido de que, em razão do princípio da proteção integral, em conjunto com a perspectiva da vulnerabilidade dos menores, a divulgação da imagem de crianças e adolescentes sem prévio consentimento dos pais ou responsáveis legais configura ato ilícito em razão do abuso do direito de informação, acarretando dano moral presumido e impondo o respectivo dever de indenização.

É importante destacar que, como mencionado pelo Ministro Antonio Carlos Ferreira, o dever de indenizar é um consectário da omissão de conduta do provedor de internet, sendo que, caso o provedor tivesse tomado as providências que estavam ao seu alcance – e que são dever de todos os integrantes da sociedade – para evitar resultados nocivos à imagem de menores, as consequências desse tipo de conteúdo seriam abreviadas antes de tomarem grandes proporções.

1Informativo de Jurisprudência. Superior Tribunal de Justiça, 2022. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?acao=pesquisar&livre=1783269&operador=e&b=INFJ&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Aceso em 28 mar. 2022.

2Art. 19. ""Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

3Art. 18. “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

4Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

5Utilizar como subterfúgio o caráter absoluto da liberdade de expressão para acobertar modelos de negócios irresponsáveis parece ser a subversão completa dos valores constitucionais, que sempre tiveram as situações subjetivas existenciais como corolário do epicentro axiológico do ordenamento: a dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos. Em outros termos, usar o direito fundamental à liberdade de expressão como base da ""inimputabilidade"" de todo e qualquer intermediário da rede esconde a tutela de um único direito fundamental em detrimento de todos os outros: a livre iniciativa. (LONGHI, João Victor Rozatti. Responsabilidade Civil e Redes Sociais. Retirada de conteúdo, perfis falsos, discurso de ódio e fake news. Editora Foco. São Paulo: 2020, p. 95).

 


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