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A estabilidade constitucional do servidor público é "automática"?

Há algum tempo, o contrato de namoro tem sido tema de investigação e de discussão dentre os estudiosos e estudiosas do Direito de Família. Marília Pedroso Xavier, de forma pioneira, o conceituou como “uma espécie de negócio jurídico no qual as partes que estão tendo um relacionamento afetivo acordam consensualmente que não há entre elas objetivo de constituir família” [1].

Em outras palavras, trata-se de um contrato que tem por finalidade principal afastar os efeitos da união estável entre aqueles e aquelas que estão em um relacionamento amoroso, que se valem desse negócio jurídico para atestar esta situação fática (isto é, que não há objetivo de constituir família).

As notícias recentes demonstram a popularização do contrato de namoro.

É possível citar, por exemplo, publicação veiculada na “Folha”, em que se afirmou que a confecção de contratos de namoro em cartório bateu número recorde em 2023 e que existiu um crescimento de contratos deste tipo em 35% entre 2022 e 2023, de acordo com o Colégio Notarial do Brasil[2]. Também recentemente, noticiou-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná que reconheceu e confirmou a validade do contrato de namoro[3].

Outra notícia que circulou na mídia acerca da temática diz respeito ao contrato de namoro celebrado entre o jogador de futebol Endrick e sua namorada (Gabriela) [4]. O seu conteúdo não foi integralmente revelado, não sendo possível dizer se o instrumento foi redigido com a finalidade de atestar que não há intenção de constituir família. Contudo, Endrick e Gabriela (em entrevista no PodCast “PodDelas”) tornaram públicas algumas disposições pactuadas, como, por exemplo, uma cláusula que prevê a obrigação de dizer “eu te amo” em qualquer situação.

Sem que se adentre na discussão acerca da validade e da eficácia de cláusulas como a convencionada por Endrick e Gabriela, fato é que o contrato de namoro vem ganhando cada vez mais espaço na população brasileira. Este movimento demonstra que há reivindicação de maiores espaços de autonomia privada no Direito de Família, especialmente no que diz respeito às questões patrimoniais.

A nós, operadores e operadoras do Direito, incumbe aprofundar os estudos sobre este importante tema, apresentando soluções criativas e seguras para as demandas sociais.

Referências

[1] XAVIER, Marília Pedroso. Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. 2.ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 103.

[2] Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2024/06/contratos-de-namoro-batem-recorde-no-brasil-para-evitar-reconhecimento-de-uniao-estavel.shtml#:~:text=O%20Brasil%20registrou%20um%20n%C3%BAmero,35%25%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202022. Acesso em 12.06.2024.

[3] Analisada por Marília Pedroso Xavier em texto publicado no Portal Migalhas: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/408949/contrato-de-namoro-tem-validade-confirmada-pelo-tj-pr. Acesso em 12.06.2024.

[4] Conforme, por exemplo: https://www.metropoles.com/colunas/pouca-vergonha/nao-e-so-o-endrick-contrato-de-namoro-ganha-popularidade-no-brasil. Acesso em 12.06.2024.

A redação do §4º do art. 41 da Constituição Federal, que trata da estabilidade do servidor público, sempre desperta muita controvérsia.
 
O STF já decidiu que o ato de exoneração do servidor é meramente declaratório, podendo ocorrer após o prazo de três anos fixados para o estágio probatório, desde que as avaliações de desempenho sejam efetuadas dentro do prazo constitucional (RE 805.491 AgR/SP - São Paulo - Ag.Reg. no RE - relator: min. Dias Toffoli - Julgamento: 23/2/16 - Órgão julgador: 2ª turma).
 
Dito de outra forma, o que o STF decidiu foi que a exoneração pode ocorrer após o prazo de três anos, desde que as avaliações de desempenho tenham sido efetuadas dentro deste interregno.
 
Questão ligeiramente diversa é saber se as avaliações positivas, realizadas dentro do prazo de três anos, são suficientes para a estabilidade do servidor público, ainda que, depois deste prazo, a comissão de avaliação decida por exonerar o servidor público por avaliações negativas realizadas após este interregno.
 
É que o STJ também já decidiu que a estabilidade do servidor público não se dá de forma ""automática"", já que o § 4º do art. 41 da Constituição Federal impõe como condição obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (AgInt no MS 25.694/DF, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª seção, julgado em 13/12/22, DJe de 27/1/23).
 
Então fica a dúvida: o que gera a estabilidade do servidor público é a declaração ""final"" da comissão de avaliação ou o preenchimento per se dos requisitos constitucionais antes desta declaração ""final""?
 
Em decisão paradigmática, o TJ/PR decidiu recentemente que, mesmo sem a declaração ""final"" da comissão de avaliação de estágio probatório, o servidor público adquire estabilidade per se, desde que tenha preenchido os requisitos constitucionais (isso é, tempo + avaliações positivas dentro do prazo de três anos).
 
Veja a seguinte passagem do voto do relator: ""Ora, se o prazo do estágio probatório, em razão da declaração de ilegalidade, fluiu sem qualquer suspensão, como restou consignado o voto, e considerando-se que as avaliações, que necessariamente deverão ser efetuadas dentro do prazo constitucional, foram realizadas, há que se considerar suficientes aquelas produzidas dentro do período trienal, atendendo-se o contido no § 4º do art. 41 da Constituição Federal"" (TJ/PR. Apelação Cível 0017229-07.2023.8.16.0014, relator: desembargador Salvatore Antonio Astuti, julgado em 19/4/24).
 
No caso concreto, a comissão de avaliação havia realizado três avaliações positivas dentro do prazo de três anos e outras sete avaliações negativas depois deste prazo, concluindo ao final que o servidor público não estava apto a adquirir a estabilidade do cargo. Esta decisão foi declarada ilegal, tendo a servidora pública, uma professora da rede municipal de educação, sido reintegrada ao cargo, com direito ao recebimento dos salários não pagos no período.
 
Note-se a sutileza do caso.
 
A tese acolhida não foi a de que haveria uma ""estabilidade automática"", ou seja, de que o mero transcurso do prazo de três anos geraria a estabilidade do servidor público, tese, de resto, rechaçada pelo STJ.
 
A tese acolhida foi a de que, as avaliações positivas, realizadas dentro o prazo de três anos, são suficientes para a estabilidade do servidor público, ainda que a comissão de avaliação entenda de modo contrário posteriormente, em avaliação ""final"".
 
Em outras palavras, o que o Tribunal paranaense decidiu foi que as avaliações positivas realizadas dentro do prazo de três anos são suficientes para atender o requisito constitucional, ou seja, que estas avaliações ""parciais"" são ""equivalentes"" a uma avaliação ""final"" da comissão do estágio probatório.
 
Esta interpretação é muito positiva porque confere concretude ao dispositivo constitucional e oferece segurança jurídica ao servidor público contra eventuais perseguições políticas ou de qualquer outra ordem.
 
_____________________
 
Texto publicado originalmente em Migalhas e Conjur:

https://www.migalhas.com.br/depeso/409731/a-estabilidade-constitucional-do-servidor-publico-e-automatica

https://www.conjur.com.br/2024-jun-19/a-estabilidade-constitucional-do-servidor-publico-e-automatica/


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