STJ julgará repetitivo acerca da constituição em mora do devedor com alienação fiduciária em garantia
A alienação fiduciária é importante modalidade de garantia, comumente utilizada nos empréstimos bancários. Nela, o devedor (que dá a coisa em garantia) se mantém na posse direta do bem, ficando a instituição financeira credora como proprietária. Todavia, essa propriedade é resolúvel, ou seja, quando paga a última parcela do empréstimo/financiamento, posse e propriedade plenas passam ao devedor.
Em caso de inadimplemento, o Decreto-Lei n. 911/1969 faculta ao credor o ajuizamento de ação de busca e apreensão (art. 3.º[1]), para que possa vender o bem a terceiro, conforme lhe autoriza o art. 2.º[2], e aplicar o valor obtido em seu crédito e nas despesas decorrentes, devolvendo ao devedor o que restar.
Ocorre que, a fim de viabilizar a concessão de liminar na ação de busca e apreensão, é necessária a comprovação da mora, nos termos do § 2.º do art. 2.º do Decreto-Lei n. 911/1969.
Até 2014, exigia-se a expedição de carta registrada em Cartório de Títulos e Documentos ou o protesto do título, a critério do credor[3]. Contudo, a Lei n. 13.043 alterou o § 2.º do art. 2.º do Decreto-Lei n. 911/1969, de modo que, na redação atual, é necessário apenas o envio de “carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.”
Muitas vezes, a validade da notificação é questionada, levando-se ao Poder Judiciário discussões acerca da forma com que deve ser realizada.
Por isso é que, recentemente, em 15.03.2022, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Segunda Seção, afetou os Recursos Especiais 1.951.888 e 1.951.662 como representativos da controvérsia, cadastrada como Tema 1.132, com relatoria do Ministro Marco Buzzi, na forma do art. 1.036 do CPC[4].
Assim, a Segunda Seção, por meio de julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, definirá se ""para a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária, é suficiente, ou não, o envio de notificação extrajudicial ao endereço do devedor indicado no instrumento contratual, dispensando-se, por conseguinte, que a assinatura do aviso de recebimento seja do próprio destinatário"".
Quando recebidos os recursos em questão no STJ, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas, apontou que, em consulta à pesquisa de jurisprudência do tribunal, identificou “aproximadamente 229 acórdãos e 5.202 decisões monocráticas proferidas por Ministros componentes das Terceira e Quarta Turmas, contendo a controvérsia destes autos.”
Com isso, qualificou os recursos como representativos de controvérsia candidatos à afetação, com o que concordaram os ministros da Segunda Seção.
Ambos os recursos afetados tratam de ação de busca e apreensão de bem móvel ajuizada por instituição financeira, cuja petição inicial foi indeferida por ausência de constituição em mora do devedor, uma vez que não houve entrega efetiva da notificação extrajudicial. Interposto recurso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul manteve a deliberação em ambos, o que ensejou a interposição dos recursos especiais para o STJ.
O relator, Ministro Marco Buzzi, em seu voto, ressaltou que, em 2020, foi proposta afetação do Recurso Especial 1.863.285/SC, envolvendo a mesma questão. A indicação foi rejeitada na oportunidade, pois, à época, havia dispersão jurisprudencial no enfrentamento do tema.
Entretanto, atualmente, constata-se a maturidade do entendimento do STJ acerca da matéria, demonstrando que “já foi suficientemente discutida e consta examinada pelos membros componentes desta eg. Segunda Seção, pelo que a afetação dessa controvérsia vem ao encontro da noção de efetividade da Justiça, em decorrência lógica dos efeitos advindos do julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos.”
Isso porque todos os membros da Segunda Seção já enfrentaram o tema nas numerosas decisões monocráticas apontadas pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o que aponta também para o seu caráter multitudinário.
Desse modo, propôs o relator a afetação dos recursos à sistemática de recursos especiais repetitivos para consolidar o entendimento acerca da questão, com a suspensão do processamento dos feitos em que se examina idêntica matéria, com que acordaram os demais ministros das Segunda Seção.
Analisando as decisões proferidas pelo STJ acerca do tema, tanto da Terceira[5] quanto da Quarta Turma[6], nota-se que o entendimento se inclina no sentido de que não é necessário, para a constituição em mora, que o devedor tenha pessoalmente recebido a notificação. Contudo, o que se exige é que a notificação seja efetivamente entregue no endereço declinado pelo devedor no contrato.
Ainda não se tem data para julgamento dos recursos afetados. Porém, a teor do art. 1.037, §4.º do CPC[7], o julgamento deve ocorrer em até um ano.
[1] “Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário.”
[2] “Art. 2o No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.”
[3] Redação antiga: “§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor.”
[4] “Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça.”
[5] “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. CONSTITUIÇÃO DA MORA NÃO RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. SÚMULAS N. 7 E 83/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ""para a constituição em mora na ação de busca e apreensão é imprescindível a comprovação de encaminhamento de notificação extrajudicial ao endereço constante do contrato, bem como de seu efetivo recebimento, ainda que não pessoalmente pelo devedor"" (AgRg no AREsp 467.074/RS, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 21/08/2014, DJe 04/09/2014). 2. Modificar o entendimento do Tribunal local, acerca da presença dos requisitos para a constituição da parte devedora em mora, incorrerá em reexame de matéria fático-probatória, o que é inviável, devido ao óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno improvido.” (STJ, AgInt no REsp 1911754/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/05/2021, DJe 14/05/2021)
[6] “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. COMPROVAÇÃO DA MORA. NECESSIDADE DE EFETIVA ENTREGA DA NOTIFICAÇÃO NO ENDEREÇO CADASTRAL DO DEVEDOR. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Pacífico o entendimento, neste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em casos de alienação fiduciária, a mora pode ser comprovada por meio de notificação extrajudicial entregue no domicílio do devedor, sendo dispensada a notificação pessoal. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Agravo interno não provido.” (STJ, AgInt no REsp 1927802/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/08/2021, DJe 26/08/2021)
[7] “Art. 1037, § 4.º Os recursos afetados deverão ser julgados no prazo de 1 (um) ano e terão preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.”