O julgamento do REsp n. 1.904.252/RS e a apuração de haveres sobre a projeção de lucros futuros em dissolução parcial de sociedade
Aos 22.08.2023, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial n. 1.904.252/RS, sob relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, ocasião em que reafirmou a impossibilidade de que a apuração de haveres, quando realizada a dissolução parcial de sociedade, englobe a projeção de lucros futuros, caso omisso o contrato social.
Na dissolução parcial de uma sociedade empresária se faz necessário realizar a apuração de haveres, levantando os valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade empresária. A apuração de haveres se resume na representação fictícia da dissolução total da sociedade, ocasião em que se realiza um levantamento contábil capaz de reavaliar o valor de mercado dos bens corpóreos ou incorpóreos que compõem o patrimônio social, considerando do passivo da sociedade, e então projetando-se o acervo remanescente caso houvesse a dissolução total da sociedade limitada naquele momento.
Neste momento, grande parte dos conflitos entre os envolvidos está relacionada aos critérios que serão adotados para mensurar o valor que o sócio desligado terá direito a levantar em sede de apuração de haveres, considerando que a adoção de um critério ou outro implica diretamente na majoração ou redução do valor em questão. Enquanto o interesse do sócio retirante será elevar, ao máximo, o valor a ser recebido, o interesse dos demais sócios que permanecem na sociedade se traduz no exato oposto.
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe que o critério a ser observado será aquele previsto no contrato social (art. 604, inc. II, do CPC), sendo esta, também, a orientação do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe que existindo cláusula contratual que preveja o critério a ser utilizado na apuração de haveres, este deve ser o parâmetro aplicado, em respeito ao princípio da força obrigatória dos contratos. Como exemplo, pode-se mencionar o julgamento do AgInt no AREsp n. 1.192.710/SP, relator Ministro Raul Araújo, da Quarta Turma, julgado aos 26.09.2022, e do AgInt no AREsp n. 1.174.472/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, também da Quarta Turma, julgado aos 19.12.2018.
Contudo, caso omisso o contrato social, o art. 606 do CPC determina que o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.
No julgamento do Recuso Especial em questão a discussão levantada recaiu sobre os critérios para apuração de haveres e quais os valores que ali estariam abrangidos, caso omisso o contrato social, de modo que a controvérsia consistiu em verificar se na apuração de haveres deveriam ser abarcados os lucros futuros da sociedade ou ainda os lucros não distribuídos durante o período em que o sócio retirante ainda a integrava.
O posicionamento da Corte Superior, confirmando o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, teve como principais fundamentos os seguintes pontos: (i) a necessidade de que o valor da quota do sócio retirante corresponda o mais próximo possível ao real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu valor patrimonial real; (ii) o fato de que a jurisprudência tem se firmado no sentido de não se admitir um mero levantamento contábil para apuração de haveres, devendo-se proceder a um balanço real, físico e econômico, mas não necessariamente que projete os lucros futuros da sociedade; e (iii) sendo a base de cálculo dos haveres o patrimônio da sociedade, aqueles valores que ainda não o haviam integrado não podem ser repartidos com o sócio retirante.
O acertado entendimento do julgado em questão evidencia a preocupação da Corte Superior em apurar devidamente os valores a serem recebidos pelo sócio retirante, contudo, sem prejudicar os sócios que permanecem na sociedade. A exclusão da projeção dos lucros futuros se mostra devida, portanto, porque os referidos valores não compõem o patrimônio da sociedade no momento da retirada do sócio, de modo que o sócio retirante não pode se beneficiar dos esforços que serão despendidos pelos sócios remanescentes, que permanecem na sociedade.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça reforça que, omisso o contrato social relativamente à quantificação do reembolso do sócio retirante ou excluído, deixando de fixar quais critérios serão utilizados nesta quantificação (abarcando o lucro futuro da sociedade ou não), deve ser observada a regra geral de apuração de haveres segundo a qual o sócio não pode, na dissolução parcial da sociedade, receber valor diverso do que receberia, como partilha, na dissolução total, verificada tão somente naquele momento, não sendo possível englobar a projeção de lucros futuros da sociedade empresária.
______________________________________________
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.904.252/RS. Relator: Ministra Maria Isabel Gallotti. Brasília, DF, 22 de agosto de 2023. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 01 set. 2023.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1192710/SP. Relator: Raul Araújo. Brasília, DF, 26 de setembro de 2022. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 04 out. 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.174.472/RS. Relator: Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 19 dez. 2018.
*Texto publicado originalmente nos portais ConJur e Migalhas