As modalidades de desconsideração da personalidade jurídica
Sabe-se que, com a entrada em vigor do CPC/2015, a desconsideração da personalidade jurídica passou a ser expressamente regulamentada como um incidente processual, em seus arts. 133 e 137.
Assim, uma vez demonstrado o abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme prevê o art. 50 do Código Civil (sobretudo com a redação dada pela Lei n. 13.874/2019), desconsiderar-se-á a personalidade jurídica para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou sócios da pessoa jurídica que foram beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. Trata-se, esta, da modalidade ortodoxa[1].
Ainda, observa-se que o art. 133, § 2.º, do CPC prevê a possibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica, modalidade na qual é possível alcançar o patrimônio das pessoas jurídicas na qual o devedor é sócio, também já consolidada pela jurisprudência[2].
De mais a mais, frente às manobras fraudulentas que acabam por se reinventar com habitualidade a fim de viabilizar que os devedores se esquivem de suas obrigações, organizando seu patrimônio de modo que não possa ser alcançado pelos credores, outras duas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica vêm sendo contempladas pela jurisprudência.
A primeira é a teoria da desconsideração expansiva da personalidade jurídica, modalidade na qual o sócio devedor não se encontra explicitamente vinculado na sociedade, mas utiliza-se de terceiros (caracterizados como sócios “laranjas”) para constituir empresas, nas quais figuram, verdadeiramente, como “sócios ocultos”[3].
A segunda é a desconsideração indireta da personalidade jurídica, aplicável sempre que houver formação de grupo econômico, no qual empresas controladoras utilizam-se da personalidade jurídica de empresas controladas em nítido abuso da personalidade jurídica[4].
Assim, preenchidos os requisitos e sobrevindo alguma das hipóteses acima mencionadas, aplicar-se-á a desconsideração da personalidade jurídica, em alguma de suas modalidades, a fim de que, com a transposição do véu da personalidade, certas e determinadas obrigações sejam estendidas ao patrimônio das pessoas jurídicas ou naturais envolvidos.
Trata-se de medida que, indiscutivelmente, tem contribuído para a satisfação do crédito nos casos em que as já referidas manobras são utilizadas pelos devedores.
[1] Neste sentido: TJSP; Agravo de Instrumento n. 2037340-46.2020.8.26.0000; Rel.: Renato Rangel Desinano; 11.ª Câmara de Direito Privado; J. 26.01.2021.
[2] Assim: TJRS; Agravo de Instrumento n. 70083773259; Rel.: Dilso Domingos Pereira; 20.ª Câmara Cível; J. 22.04.2020.
[3] No mesmo sentido: TJDFT; Agravo de Instrumento n. 0703119-29.2018.8.07.0000; Rel.: José Divino; 6.ª Turma Cível; J. 30.05.2018; e TJMG; Apelação Cível n. 10035070931825001; Rel.: Otávio Portes; 16.ª Câmara Cível; J. 03.07.2019.
[4] Neste sentido: TJSP; Agravo de Instrumento n. 2068219-36.2020.8.26.0000; Rel.: Jacob Valente; 12.ª Câmara de Direito Privado; J. 18.06.2020.
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