Plano de recuperação ilegal deve ser anulado antes mesmo da assembleia
[1] Ressalvada a hipótese de “cram down”, prevista no artigo 58, §1.º, da Lei 11.101/2005.
[2] Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o primeiro julgado de destaque a respeito do assunto ocorreu em 2012 e foi relatado pela ministra Nancy Andrighi:
“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO DE PLANO PELA ASSEMBLEIA DE CREDORES. INGERÊNCIA JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. CONTROLE DE LEGALIDADE DAS DISPOSIÇÕES DO PLANO. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial. 2. Recurso especial conhecido e não provido.” (STJ, 3.ª T., REsp 1314209/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.05.2012, DJe 01.06.2012)
[3] “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Recuperação judicial Plano aprovado por assembleia de credores Verificação de sua legalidade pelo Poder Judiciário Possibilidade necessidade de previsão do tema referente aos juros moratórios. Inserção de ofício, dispensando-se a convocação de AGC. Reconhecimento, ainda, da nulidade referente à cláusula que prevê a obrigação de baixa nos protestos. Determinação, ainda, de que o termo inicial da contagem do prazo de carência seja a publicação do despacho agravado e não o trânsito em julgado da decisão que concede a recuperação judicial, o que causaria insegurança jurídica. Provimento do recurso, para que as alterações sejam efetivadas de ofício, sem necessidade de nova Assembleia.” (TJSP, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; relator Enio Zuliani; Comarca: Limeira; Data do julgamento: 25/11/2014; Data de registro: 27/11/2014)
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO. CONTROLE DE LEGALIDADE. [...] CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO EM FALÊNCIA. O descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano de recuperação acarreta a convolação da recuperação em falência. Inteligência do artigo 61, § 1º, da LRF. Inexigibilidade de prévia convocação da AGC Credores para deliberação. Nulidade da cláusula declarada de ofício.” (TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial ; relator Tasso Duarte de Melo; Comarca: Presidente Prudente; Data do julgamento: 19/05/2014; Data de registro: 20/05/2014)
Revista Eletrônica Conjur.
O processo de recuperação judicial tem difícil e relevantíssima missão: viabilizar a superação da crise da empresa, para que seja mantida a fonte produtora de riquezas, assim como os empregos dos trabalhadores, protegendo, ainda, os interesses dos credores. Somente com a conciliação desses, muitas vezes, antagônicos interesses, é que se pode dizer que a empresa estará apta a voltar a cumprir sua função social e estimular a economia, daí a necessidade de sua preservação.
A dinâmica empresarial está cada dia mais complexa, de modo que não há uma fórmula preconcebida de como a empresa buscará a sua recuperação, em vista a, como se disse, garantir a fonte produtora, os empregos e o direito dos credores, voltando, assim, a ser uma ferramenta ao desenvolvimento econômico sustentável, cumprindo sua função social.
Dentro do processo, a estratégia para soerguimento do negócio será formalizada por meio do plano de recuperação judicial a ser apresentado pelo devedor empresário, o qual conterá a “discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados”, a “demonstração de sua viabilidade econômica” e o “laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor” (artigo 53, da Lei 11.101/2005).
Deferida a inicial, abre-se o prazo de 60 dias para apresentação do plano de recuperação judicial. Noticiada sua chegada aos autos e publicada a relação de credores confeccionada pelo administrador judicial, abre-se prazo para que os credores, querendo, apresentem objeção.
O silêncio aqui é eloquente, de modo que, se ninguém objetar, o plano considera-se “aprovado” e segue para homologação judicial, após comprovação da regularidade fiscal (artigo 57, da Lei 11.101/2005). Caso contrário, é convocada assembleia-geral de credores, na forma do artigo 56, da Lei 11.101/2005. Se o plano for rejeitado pela assembleia o magistrado convolará a recuperação em falência (artigo 73, III, da Lei 11.101/2005)[1]. Já se o plano for aprovado pela assembleia de credores, da mesma forma, comprovada a regularidade fiscal, segue para homologação judicial.
Sendo bastante sintético este é o percurso que o plano de recuperação judicial segue desde sua chegada aos autos até eventual aprovação pela assembleia-geral de credores. Isso, pelo menos, tratando-se de plano de recuperação isento de irregularidades, em que eventual objeção versaria sobre a análise de viabilidade do empreendimento e da proposta comercial.
Em situação como esta, na qual o plano é livre de vícios, a assembleia-geral de credores é dita “soberana”, já que a ela competirá a deliberação a respeito da viabilidade da empresa e da proposta comercial apresentada. É nesse sentido, portanto, que se fala em “soberania da assembleia”. Ou seja, em princípio, é a assembleia-geral de credores a titular da competência para a constatação de viabilidade do empreendimento e da análise da proposta comercial.
Porém, o cenário muda quando o plano de recuperação judicial contém nulidades, pois o Judiciário não apenas está autorizado, como deve realizar o controle de legalidade do plano, pois não faz sentido conceber o plano como um ato jurídico imune ao controle pelo Judiciário. Em artigo publicado na ConJur tratou-se mais detalhadamente a respeito da chamada “soberania da assembleia” e da possibilidade de controle judicial do plano[2].
Ou seja, à assembleia compete a análise de viabilidade da empresa, assim como do conteúdo econômica do plano, já ao Judiciário o controle de sua validade. Sobre o controle judicial do plano, vale ainda destacar forte inclinação da jurisprudência pela possibilidade, inclusive, de as nulidades serem pronunciadas de ofício pelo Poder Judiciário[3].
Por isso tudo, pode-se firmar, sem dúvida, a seguinte premissa: plano de recuperação judicial que contenha nulidade, mais cedo ou mais tarde, tem destino certo, que é a declaração de sua invalidade, seja de ofício ou mediante requerimento, seja em primeiro grau de jurisdição ou em grau recursal.
Por isso, parece não somente possível, como também necessário, o que aqui se está a chamar de “controle prévio de validade do plano de recuperação judicial”, a ser feito antes mesmo da realização da assembleia de credores, preferencialmente tão logo ele chegue aos autos.
Caso o controle prévio não seja feito, o plano ilegal seguirá o curso acima descrito. Após sua apresentação o próximo passo será a publicação de edital para a abertura de prazo para apresentação de objeção. Feita objeção — e a tendência é a de que um plano ilegal sofra mais de uma objeção — é convocada a assembleia-geral de credores, a qual pode resultar na aprovação do viciado plano de recuperação. Comprovada a regularidade fiscal, o processo caminhará para a homologação judicial, a qual não poderá ser feita, pois o ato de homologação corresponde ao reconhecimento de validade do plano e do todo o procedimento até então.
Com a invalidação do plano, tem sido determinado ao devedor o seu refazimento. Ou seja, após o reconhecimento da irregularidade contida no plano, o processo volta praticamente ao início, com nova publicação de editais, prazo para objeção, convocação da assembleia etc.
Dessa forma, é visível que a futura e certa declaração de nulidade do plano de recuperação judicial prejudicará todos os envolvidos: credores, devedor, administrador judicial e o próprio Judiciário, a quem compete zelar pelo bom andamento do feito, já que a razoável duração do processo e a celeridade processual são direitos e garantias fundamentais, conforme previsto no inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição.
Isso, sem contar que perpetuar o andamento do feito é impor restrição demasiada aos credores, já que muitas vezes há a prorrogação do prazo de moratória, que em princípio seria de 180 dias.
Respeitando o devido processo legal, deve-se, dessa forma, imprimir celeridade ao processo de recuperação judicial. Devedor precisa imediatamente iniciar sua estratégia de reestruturação, credores e empregados necessitam de definição em relação a seus créditos e postos de trabalho e o Judiciário tem interesse em descongestionar sua tão sobrecarregada pauta de trabalho.
Não bastasse tudo isso, outro argumento serve para sustentar a tese de controle prévio: a assembleia-geral de credores não é um órgão técnico-jurídico, sequer exige-se capacidade postulatória para nela se fazer presente. Ou seja, ela não tem, em princípio, aptidão para fazer o controle de legalidade do plano. Eventualmente credores podem até questionar disposições do plano, entretanto não têm eles, nem o administrador judicial que preside a assembleia, competência jurídica para declarar a nulidade do plano.
A assembleia-geral não foi concebida para fazer de controle de validade do plano, pois, se assim o fosse, os credores deveriam se fazer representar por advogados, inclusive o próprio administrador judicial, caso não fosse advogado, deveria estar assessorado por um. Além disso, se fosse dado à assembleia a realização de controle de validade do plano seria ela presidida pelo magistrado da causa e não pelo administrador judicial, já que presidida pelo magistrado, seria possível realizar o controle ao longo da própria assembleia. Entretanto, esta não foi a opção da Lei 11.101/2005.
Por isso tudo, é que se defende não ser apenas possível, mas exigível, que o plano de recuperação judicial que contenha nulidade seja controlado pelo magistrado da causa tão logo chegue aos autos, de ofício ou mediante provocação.
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