Para especialistas, Convenção de Budapeste traz desafios para ordenamento jurídico brasileiro">

Notícia originalmente publicada aos 14.04.2023 no site Teletime: https://teletime.com.br/14/04/2023/para-especialistas-convencao-de-budapeste-traz-desafios-para-ordenamento-juridico-brasileiro/

A publicação da promulgação da Convenção de Budapeste, no Diário Oficial da União (DOU) nesta quinta-feira, 13, que trata da colaboração entre países para combater cibercrimes, exige do Brasil a superação de alguns desafios para implementa-la, assim como traz uma série de inovações legais que conflitam com o ordenamento jurídico brasileiro. Especialistas ouvidos pelo TELETIME apontam que um dos principais conflitos é a responsabilização penal de pessoas jurídicas (PJ).

Enrique Tello Hadad, sócio do Loeser e Hadad Advogados e especialista em proteção de dados, destaca que, conforme o previsto no dispositivo, os países signatários se comprometem a adotar medidas que prevejam que as pessoas jurídicas possam ser penalmente responsabilizadas por crimes cometidos por pessoas físicas em posição de direção para o benefício de PJs.

"Essa responsabilidade penal será aplicada em caso de falta de supervisão ou controle por uma pessoa natural que tenha possibilitado o crime por outra pessoa natural supervisionada, sem prejuízo da responsabilidade criminal, também, das pessoas naturais que tenham cometido o crime", explica outra advogada, Micaela Ribeiro, do Medina Guimarães Advogados, sobre o artigo da Convenção.

Raphael de Matos Cardoso, especialista em proteção de dados do Marzagão Balaró Advogados, aponta que a responsabilização das plataformas digitais pode pegar carona neste tema. "Os tristes episódios recentes de ataques violentos nas escolas jogaram luzes para o assunto e estão dando ensejo a regras de exceção, como a criticável Portaria nº 351/2023 do Ministério da Justiça, publicada na última quinta-feira, 13, que dispõe sobre algumas matérias à margem da lei, uma vez que ato infralegal não pode inovar a ordem jurídica, especialmente para impor sanções", disse o advogado a este noticiário.

Cardoso também explica que a responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevista no art. 12 da Convenção, implica em uma reflexão sobre o assunto, que apesar de não ser novidade, não avançou muito ainda no Brasil.

Para o advogado, momentos de exceção não podem dar ensejo à criação de regras com vigência na sociedade por muito tempo depois de superado o pânico. "O passado recente nos lembra de que a democracia é um prato a ser servido frio. Basta lembrarmos da promulgação da Lei nº 12.846/2013, aprovada no calor das manifestações de rua, que inseriu a inédita responsabilidade objetiva da pessoa jurídica no âmbito dos ilícitos nela previstos, e da operação lava-jato que a sucedeu e sacrificou diversas empresas, cujos processos ainda passam por revisão, muitos deles anulados, embora os efeitos já concretizados não possam ser recuperados", ponderou Raphael Cardoso.

Ele também lembra que já temos aparato para responsabilização no ordenamento jurídico brasileiro, como o previsto no Código Civil, que dispõe sobre a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de terceiros.

No caso das plataformas digitais, as atividades delas se tornam perigosas na medida em que podem hospedar local para a prática ou estímulo do crime, de modo que elas já podem responder civilmente, bem como perante os órgãos de defesa do consumidor, falou Cardoso ao TELETIME.

Paulo Rená da Silva Santarém, doutorando em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília, e codiretor executivo do Aqualtune Lab, ONG integrante da Coalizão Direitos na Rede (CDR), faz uma relação direta entre a portaria publicada pelo Ministério da Justiça, que cria uma série de regras de moderação de conteúdo em plataformas digitais, e a promulgação da Convenção de Budapeste. "A portaria de ontem tem fundamento na Convenção pra não exigir decisão judicial na investigação de crimes. Pelo artigo 15, que fala sobre Condição e Salvaguardas, o controle judicial, a fundamentação de aplicação, a limitação do alcance e da duração das medidas processuais não são previstos como regra, mas apenas como medidas excepcionais, a serem incluídas como condições quando for apropriado, tendo em conta a natureza do poder ou do procedimento", destaca Rená.

Os pontos positivos

Patricia Peck, advogada especializada em Inovação e em Direito Digital, diz que o texto, por outro, lado traz uma série de benefícios, como a uniformização de conceitos, o atendimento às convenções de direitos humanos e de direito de crianças e adolescentes. "A Convenção de Budapeste permite que os países ajam de maneira rápida para solucionar crimes cibernéticos. Ela também lista crimes que tem que ser adotados da mesma maneira nas jurisdições internacionais, como formas de gerar unidade no tratamento deles. Isso envolve crimes de violações de direitos de autor, crimes de confidencialidade etc."

Peck, que também é CEO do escritório Peck Advogados e Conselheira Titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD), diz que o Brasil atualizou sua legislação para o tema central da Convenção, criando legislações como a "Carolina Dickman", as penas para crimes de direitos autorais e para a pornografia infantil. "Nós já temos alguns temas que a Convenção traz. Mas, por outro lado, há questões que precisam de mudanças na lei penal brasileira. Uma delas é a responsabilização penal de pessoas jurídicas. Este é um dos pontos mais desafiadores para o nosso ordenamento jurídico", diz a advogada.

Para Bruno Guerra de Azevedo, sócio na área de LGPD e Direito Digital do SGMP Advogados, a promulgação da Convenção de Crime Cibernético é de suma importância para aumentar a agilidade e efetividade dos procedimentos de investigação dos delitos cibernéticos, principalmente pelo fato de facilitar a troca de informações entre os signatários. Além disso, Guerra destaca que a Convenção atualiza os ordenamentos jurídicos dos signatários para prever situações típicas da sociedade interconectada, servindo como instrumento de combate aos novos tipos de criminosos.