Extinção da EIRELI e sua substituição pela Sociedade Limitada Unipessoal (SLU)

A Lei n. 14.195/2021, publicada aos 27.08.2021, tem o objetivo de facilitar o ambiente de negócios no país, abordando diversos temas relacionados à sua desburocratização. A nova Lei, além de promover desburocratização, propõe facilitar a abertura e registro de empresas, propiciando um ambiente mais atrativo para novos investidores nacionais e estrangeiros.

A Lei traz muitos pontos de interesse e comporta inúmeras análises. Neste artigo se tratará da extinção da EIRELI, instituto concebido no ano de 2011, e sua substituição pela Sociedade Limitada Unipessoal (SLU).

As Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELI), criadas pela Lei n. 12.441/11, foram o primeiro passo para a unipessoalidade societária, ou seja, a possibilidade de se ter um único sócio de uma empresa com limitação de responsabilidade.

Antes da EIRELI, os empreendedores ficavam limitados a duas opções: i) seguir com seu empreendimento como empresário individual, cuja responsabilidade é ilimitada; ou ii) constituir uma sociedade limitada, com pluralidade de sócios.

Ocorre que, com o tempo, verificou-se que a exigência de pluralidade de sócios acabava criando sociedades fictícias, em que um dos sócios tinha a grande maioria das quotas sociais e tomava todas as decisões, enquanto o outro sócio, que detinha quantidade muito menor de quotas, sequer participava dos atos e tomadas de decisão.

Assim, em 11 de julho de 2011 foi publicada a Lei n. 12.441, que acrescentou o artigo 980-A ao Código Civil, em uma tentativa de dar solução ao problema de não haver previsão normativa que permitisse constituir uma empresa cujo patrimônio e responsabilidade fossem dissociados da figura de seu único sócio. Surgia, assim, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI.

Uma das principais regras para a constituição da Eireli veio prevista no caput do citado artigo 980-A do Código Civil, qual seja:

“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.”

Portanto, para a criação de uma empresa nesse formato, se exigia a integralização mínima de capital social de 100 salários mínimos no ato de constituição da empresa que se trata de pressuposto de validade do ato que a institui[1], não sendo permitida a sua criação com dotação patrimonial inferior para complementação futura do montante[2].

Ocorre que o estabelecimento de capital social mínimo em valor elevado acabou afastando essa figura das pequenas e médias empresas, desvirtuando a intenção do legislador de “tirar da informalidade negócios de menor porte”[3], eis que excluiu dos benefícios do instituto uma parcela considerável de empreendedores no país que não contavam com a considerável quantia exigida para a abertura da pessoa jurídica[4].

Após a entrada em vigor da Lei n. 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), que trouxe a possibilidade de constituição de sociedade limitada por apenas um único sócio, inserindo, assim, a figura da sociedade limitada unipessoal (SLU) na realidade jurídica brasileira, a figura da EIRELI teve a sua relevância drasticamente reduzida.

A ideia foi a de criar um formato de empresa que pudesse ser aberto sem o custo elevado do capital social exigido na EIRELI, sem a necessidade de sócios e que mantivesse o patrimônio do empreendedor protegido. Diversamente de pessoas jurídicas de outras naturezas, é possível abrir mais de uma empresa nesse formato.

A grande razão de ser da EIRELI, que era a de permitir a constituição de uma sociedade com responsabilidade limitada, deixou de se justificar, porque agora a sociedade limitada também cumpre esse papel, e o faz de modo mais interessante para o empreendedor, diante da desnecessidade de integralização de capital mínimo para a sua constituição e de o sócio não ter limitação quanto à quantidade de sociedades limitadas que pode constituir

Prova disso é que, a partir da criação da SLU, houve uma redução significativa do número de aberturas de Eireli. A título exemplificativo, com base nos dados constantes do Boletim do Mapa de Empresas disponibilizado pelo Ministério da Economia, no 1.º quadrimestre de 2021 houveram 32.940 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI abertas no pais, o que representa uma redução de 12,2% se comparado com o 3.º quadrimestre de 2020. Já em relação as Sociedades Empresarias Limitadas, houve um aumento de 5% em relação ao mesmo intervalo de tempo, com a criação de 180.052 abertas no 1.ª quadrimestre de 2021.

Consta do documento que “essa não é somente uma tendência local, tanto que outras 20 (vinte) unidades federativas também registraram queda. Conforme já vem sendo abordado nas publicações anteriores, há tendência de queda nos registros de Eireli em virtude das medidas de simplificação implementadas pela Lei da Liberdade Econômica”[5].

Diante deste cenário, a Lei n. 14.195/2021, com seu escopo propiciar um ambiente mais atrativo para novos investidores, estabeleceu em seu artigo 41 a transformação automática das Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (“EIRELI”), instituídas com a reforma da Lei n. 12.441/2011, pelas Sociedades Limitadas Unipessoais (SLU). Vale citar:

 “Art. 41. As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo. Parágrafo único. Ato do DREI disciplinará a transformação referida neste artigo. ”

Assim, como mais um avanço no direito societário e na autonomia privada, após 10 anos de vigência, cessa-se a existência da EIRELI, que é substituída pela Sociedade Limitada Unipessoal, que, como visto, se tornou muito mais atrativa ao investidor, ao permitir que o empresário possa criar uma ou várias sociedades de apenas um sócio, sem limitações de capital social mínimo.

[1] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. A empresa individual de responsabilidade limitada. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 915, p. 153-180, jan. 2012. p. 159.

CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo código civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 288.

[2] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. A empresa individual de responsabilidade limitada. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 101, n. 915, p. 153-180, jan. 2012. p. 174

[3] FRANÇA, Erasmo Valladão A. e N., ADAMEK, Marcelo Vieira von. Empresa Individual de Responsabilidade Limitadas (Lei n. 12.441/2011): Anotações. In: AZEVEDO, Luís André N. de Moura. CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de. (Coords.) Sociedade Limitada Contemporânea. São Paulo: Quartier Latin, 2013. Fl.55

[4] DOMINGUES, Paulo de Tarso. A “surpreendente” EIRELI: Breves notas em torno da responsabilidade pessoal e empresarial. In: KUYVEN, Luiz Fernando Martins (Org.). Temas Essenciais de Direito Empresarial: Estudos em homenagem a Modesto Carvalhosa. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 962-974

[5] Disponível em https://www.gov.br/governodigital/pt-br/mapa-de-empresas/boletins/mapa-de-empresas-boletim-do-1o-quadrimestre-de2021.pdf. Acesso em 03 de dezembro de 2021.