Os efeitos da recuperação judicial sobre a garantia dos recebíveis de cartões

Por Luiz Fernando Serra Dias Junior, advogado no escritório Medina e Guimarães

Um dos elementos essenciais na contratação de um empréstimo bancário são as garantias, uma vez que, além de conferir segurança, influenciam nas taxas cobradas pelas instituições financeiras. Neste contexto, uma modalidade de garantia ganhou importância, a cessão fiduciária de créditos.

Referida garantia constitui-se sobre créditos, atuais e futuros, decorrentes de transações efetuadas via cartões de crédito e/ou débito, junto a estabelecimentos comerciais determinados. A operacionalização dessa garantia ocorre com a manutenção do domicilio bancário, a chamada “trava bancária”.  Em resumo, as maquinetas de cartões possuem uma “trava”, de modo que os recebíveis são direcionados a uma conta específica de titularidade do cliente do banco, denominado de domicílio bancário.

Embora bastante utilizada, essa espécie de garantia gera controvérsia quando o devedor do crédito garantido pede recuperação judicial. Pois, neste caso, segundo a Lei n. 11.101/2005 (art. 49, §3º), os créditos garantidos por alienação fiduciária de direitos creditórios (os recebíveis) não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, devendo ser normalmente repassados aos seus credores, no caso, as instituições financeiras.

Nos tribunais pátrios, a maior parte das decisões vai ao encontro do disposto na referida lei, no sentido de que as instituições financeiras, em caso de ajuizamento de recuperação judicial da devedora, podem efetuar a amortização da dívida utilizando o produto dos recebíveis, como, por exemplo, o TJPR (AI 1530265-1 e 1433047-3), e, inclusive, o próprio STJ (AgRg no REsp 1326851/MT e RMS 41646 -2013/0085189-5).

Contudo, embora o STJ tenha consolidado entendimento neste sentido, a jurisprudência dos tribunais estaduais não é uniforme, existindo posicionamentos de que o repasse dos recebíveis às instituições financeiras, em situações em que a empresa está tentando recuperar-se judicialmente, seria incompatível com o princípio da preservação da empresa (AI 2077712-76.2016.8.26.0000 e 2081702-75.2016.8.26.0000, ambos do TJSP).

A questão, evidentemente, merece profundidade, mas o melhor posicionamento sobre o tema é o que está em consonância com a jurisprudência dominante dos tribunais estaduais e do STJ, de não sujeição dos recebíveis aos efeitos de eventual recuperação judicial da empresa cedente.

Entender de modo diverso contrariaria a força vinculante dos contratos, bem como o texto expresso da lei de recuperação judicial, ocasionando, ainda que indiretamente, dificuldades às próprias empresas para com a obtenção de crédito junto às instituições financeiras, com a diminuição das linhas de crédito, elevação das taxas de juros, e maior dificuldade em se garantir exatamente o princípio de preservação das empresas.