Penhora de quotas e penhora de faturamento da empresa. Quando se aplica cada uma?

Para que não se privilegie a inadimplência e a fim de propiciar que os exequentes recebam seus créditos, o legislador brasileiro trouxe na norma do art. 835 o rol de preferência hierárquica de penhoras que podem ser diligenciadas pelos credores.

Dentre as hipóteses indicadas pelo art. 835 do CPC, os incisos IX e X preveem a penhora de ações e quotas de sociedades simples e empresárias que sejam de titularidade dos executados e, também, a penhora do percentual de faturamento de empresa. A possibilidade de penhora dos “lucros da sociedade” em execução contra o sócio está mencionada no art. 1.026 do CC.

Trata-se, todavia, de espécies excepcionais de constrição, mesmo porque há oito tipos antecedentes de penhora insculpidos no art. 835 do CPC. Diante disso, em se tratando de penhora de quota pertencente ao sócio executado, já se decidiu que deve estar comprovado que o executado não tem outros bens penhoráveis (e, se os tiver, que eles não sejam suficientes para saldar a dívida).[1]

Em se tratando de penhora de faturamento de empresa, há que seja designado um administrador judicial para tecer um plano de pagamento que não inviabilize a atividade da empresa atingida (art. 866, § 2.º, do CPC).[2]

Mas, no que consistem tais penhoras e qual seu procedimento de excussão?

Segundo leciona Gonçalves Neto, a forma que o CPC prevê para a excussão de quotas sociais penhoradas[3] é diferente de qualquer outra forma execução de outros bens de propriedade do executado – que normalmente ocorre por avaliação feita por oficial de justiça ou avaliador especializado (art. 870, parágrafo único, do CPC), seguida de leilão do objeto da penhora, com exceção dos bens que dispensam avaliação (art. 871 do CPC) ou que não necessitam de conversão em dinheiro (arts. 854 e 855 do CPC)[4].

Na penhora de quotas, após pleiteada pelo executado e deferida pelo Juízo, será fixado o prazo razoável não superior a três meses  para que a própria sociedade sob a qual recaiu o ato apresente balanço especial, ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual e, não havendo interesse dos sócios na aquisição das ações, procederá à liquidação das quotas ou das ações, devendo a própria empresa cuja as quotas foram penhoradas depositar em juízo o valor apurado, em dinheiro. Ainda, o juiz poderá, a requerimento do exequente ou da sociedade, nomear administrador, que deverá submeter à aprovação judicial a forma de liquidação.

O prazo previsto no caput do art. 861 do CPC poderá ser ampliado pelo juiz, se o pagamento das quotas liquidadas superar o valor do saldo de lucros ou reservas ou colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade. Dessa forma, com a liquidação da quota social, o sócio deixa de fazer parte do quadro societário da empresa, a não ser que o sócio possua diversas quotas e a penhora recaia sobre parte delas.

Para evitar a liquidação das quotas ou das ações, o § 1.º do art. 861 do CPC dispõe que a sociedade poderá adquirí-las sem redução do capital social e com utilização de reservas para manutenção em tesouraria. Porém, tal previsão não se aplica à sociedade anônima de capital aberto, cujas ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas em bolsa de valores, conforme o caso.

Ademais, caso não haja interesse dos demais sócios no exercício de direito de preferência, não ocorra a aquisição das quotas pela sociedade e a liquidação do inciso III do caput do referido artigo, ou seja, excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas.

Vale destacar que não é possível a penhora de quotas de serviço, tendo em vista que não possui valor patrimonial, tendo vínculo personalíssimo e não suscetível de transmissão.

Deste modo, a penhora de quotas muitas vezes não se torna tão efetiva ao exequente no recebimento do seu crédito, considerando se tratar de procedimento complexo e que depende muito do cumprimento pela sociedade das determinações judiciais, que não tem sanções previstas em caso de descumprimento. No entanto, tal penhora gera muito incômodo ao sócio executado e gastos para a empresa, o que pode acabar impulsionando eventual acordo entre as partes.

Já a penhora de faturamento da empresa, segundo Medina, “é penhora de parte da empresa (cf. § 1º do art. 863 do CPC), em que não se penhora bem presente, mas se determina a ingerência no patrimônio empresarial, de modo que seja administrado a fim de se apropriar de parte do dinheiro obtido com a realização da atividade empresarial (p. ex. vendas ou prestação de serviços)”[5].

Nesse caso, o juiz fixará percentual que propicie a satisfação do crédito exequendo em tempo razoável, mas que não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Será nomeado administrador-depositário, o qual submeterá à aprovação judicial a forma de sua atuação e prestará contas mensalmente, entregando em juízo as quantias recebidas, com os respectivos balancetes mensais, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.

Na penhora de percentual de faturamento de empresa, será observado, no que couber, o disposto quanto ao regime de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel e imóvel (§ 3.º do art. 866 do CPC).

Em relação aos procedimentos, no caso da penhora de faturamento a empresa deverá depositar em juízo mensalmente a quantia correspondente a penhora deferida em juízo, até que se atinja o montante total executado, o que ocorre de modo bem diferente na penhora de quotas, em que será depositado nos autos somente o valor correspondente da quota do sócio executado, e este poderá não atingir o valor total executado, ou superá-lo.

Por fim, a própria empresa cujo faturamento será penhorado é quem deverá figurar no polo passivo da execução. Já na penhora de quotas, o executado deve ser o sócio da sociedade, que terá sua quota penhorada.

Sendo assim, ambas as penhoras aqui tratadas são opções para o exequente, na hipótese de não localização de outros bens do executado que sejam suficientes para garantir a dívida em execução. Percebe-se, no entanto, que a penhora de faturamento de empresa se mostra procedimentalmente mais simples que a penhora de quotas, já que neste caso faz-se necessária a liquidação das quotas.

[1] “[...] DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO. PENHORA. QUOTAS SOCIAIS. SOCIEDADE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. [...] 3. É possível, uma vez verificada a inexistência de outros bens passíveis de constrição, a penhora de quotas sociais de sócio por dívida particular por ele contraída sem que isso implique abalo na affectio societatis. Precedentes. [...]”. (STJ, REsp 1803250/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Rel. p/ Acórdão Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2020).

[2]  (2) “[...] PENHORA DE FATURAMENTO. POSSIBLIDADE. [...] 2. Possibilidade, em caráter excepcional, da penhora incidente sobre o faturamento mensal da sociedade, desde que não comprometa o seu funcionamento. [...]”.  (STJ, AgInt no REsp 1878740/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/05/2021, g.n.)

[3] [...] quota social patrimonial é um bem móvel incorpóreo de inegável conteúdo econômico e, como tal, suscetível de apreensão judicial como qualquer outro bem” (GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários dos artigos 966 a 1.195 do Código Civil - 9 ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, p. 284).

[4] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa: comentários dos artigos 966 a 1.195 do Código Civil - 9 ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, p. 286.

[5]  MEDINA, José Miguel Garcia. Execução: teoria geral, princípios fundamentais e procedimento no processo civil brasileiro. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2017, p. 458.