O marco legal das startups como facilitador da inovação

Os avanços tecnológicos são constantes e têm alcançado as mais diversas áreas e, com eles, há muito vêm surgindo empresas com foco na inovação. Elas são, em sua maioria, conhecidas como Startups.

Observando essa tendência é que foi sancionada em 1º de junho a Lei Complementar n. 182/2021, que instituiu o Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador, prevendo tratamento especial destinado ao fomento das que se inserirem em seus critérios.

Segundo o art. 4º da referida Lei, enquadram-se como startups para fins de receber o tratamento especial instituído as “organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados”, com até dez anos de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.

Ainda, é necessário que tenham auferido receita bruta de até 16 milhões de reais no ano-calendário anterior ou, caso conte com tempo menor de existência, do valor da receita-bruta calculado proporcionalmente por mês de atividade.

Como último requisito, faz-se necessário, de forma alternativa, que a empresa: i) declare em seu ato constitutivo ou alterador e utilize modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços; ou ii) seja enquadrada no regime especial do Inova Simples.

Quanto ao primeiro, a Lei faz referência ao inciso IV do art. 2º da Lei n. 10.973/2004, segundo o qual tem-se por inovação a “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho”. A lei em questão trata de incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, visando a capacitação tecnológica, o alcance da autonomia tecnológica e o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País.

No tocante ao segundo requisito, o Inova Simples é tratado no art. 65-A da Lei Complementar n. 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), diploma normativo que, em 2019, passou a contemplar o conceito de startup e a conferir-lhe benefícios no sentido de facilitar sua abertura e fechamento, com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda. Ainda, trouxe a diferenciação da natureza das startups, que podem ser incrementais (ligadas a produtos/serviços já existentes, que deverão ser melhorados) ou disruptivas (ligadas à criação de algo totalmente novo).

Note-se que a preocupação com a inovação não é algo recente. Além das leis acima citadas, a Constituição Federal já a previa ao estabelecer como competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação” (art. 23, V, CF).

Ademais, estabeleceu que o Estado deve promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação (art. 218, CF), além de estimular “o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia” (art. 219, parágrafo único, CF). Tanto é que previu o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), organizado em regime de colaboração entre entes públicos e privados, visando a promoção do desenvolvimento científico e tecnológico e da inovação (art. 219-B, CF).

Contudo, não obstante os ditames constitucionais e as leis e programas de incentivo, ainda não havia, na legislação, a devida regulamentação das startups, empresas de especial importância nesse contexto. Daí o relevo do Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador.

Seus principais objetivos, previstos já no parágrafo único do art. 1º, são estabelecer princípios e diretrizes para a atuação da administração pública, apresentar medidas para incentivar o empreendedorismo inovador e disciplinar a licitação e a contratação de soluções inovadoras pela administração pública. Para tanto, definiu os conceitos de investidor-anjo e sandbox regulatório.
Quanto ao sandbox regulatório, trata-se de ambiente regulatório experimental, consistente em conjunto de condições especiais simplificadas que viabilizam a autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para que as empresas possam desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais (art. 2.º, II, da Lei Complementar n. 182/2021). Importante ressaltar que não se trata de novidade trazida pela lei. Além de já implantado em diversos países, no Brasil já era previsto pelo Banco Central do Brasil (BACEN) , para projetos na área financeira ou de pagamento, pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) , referente ao mercado de seguros, e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) , no mercado de capitais.

Já o investidor-anjo (art. 2º, I da referida Lei) é aquele que, embora injete capital na empresa, não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração, mas é remunerado por seus aportes.

Um importante mecanismo para incentivar os investimentos é a isenção do investidor-anjo com relação a qualquer obrigação da empresa, inclusive em caso de recuperação judicial, e também não poderá ser atingido pela desconsideração da personalidade jurídico, seja no âmbito cível, trabalhista, tributário ou qualquer outro, salvo no caso de dolo, fraude ou simulação com o envolvimento do investidor (art. 8º).

Para a empresa, a vantagem é que o investimento recebido não integrará o capital social, tampouco será considerado receita, não repercutindo em seu regime tributário.
Ademais, a lei também prevê que os aportes poderão ser realizados por pessoa física ou jurídica, e podem resultar ou não em participação no capital social da startup, conforme a modalidade de investimento realizada (art. 5º, caput).

Entre os instrumentos de aporte sem integralização do capital social, cite-se o contrato de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa, o contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa, entre outros, previstos no §1º do art. 5º, sendo possível a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária (art. 5º, §2º).

No tocante ao fomento à pesquisa, desenvolvimento e inovação, a Lei autoriza empresas que têm obrigações de investimentos nessas áreas, decorrentes de outorgas ou de delegações firmadas por meio de agências reguladoras cumpram-nas por meio de aportes de recursos em startups (art. 9º). Esses aportes podem ocorrer por meio de: i) fundos patrimoniais, na forma da Lei n. 13.800/2019, os quais visam arrecadar, gerir e destinar doações para programas, projetos e outras finalidades de interesse público; ii) Fundos de Investimentos em Participações (FIP), autorizados pela CVM, nas categorias capital semente, empresas emergentes e com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação; e iii) investimentos em programas, editais ou concursos destinados a financiamento, aceleração e escalabilidade de startups.

Outro ponto tratado pela Lei é a contratação de soluções inovadoras pelo Estado, que recebeu um capítulo exclusivo (arts. 12 a 15), com a finalidade de resolver demandas públicas que as exijam e promover a inovação no setor produtivo. Submetem-se às referidas regras os órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Para tanto, estabeleceu-se uma modalidade especial de licitação, por meio da qual a administração pública poderá contratar pessoas físicas ou jurídicas para teste de soluções inovadoras por elas desenvolvidas ou a serem desenvolvidas, apenas indicando o problema a ser resolvido e os resultados esperados. Ou seja, não há obrigatoriedade de descrição de eventual solução técnica previamente mapeada e suas especificações técnicas. Assim, deverão os licitantes propor os diferentes meios para solução do problema.
As propostas serão analisadas por comissão especial formada por especialistas no assunto, que deverão considerar aspectos como o potencial de resolução do problema, a provável economia, o grau de desenvolvimento, o modelo de negócio, a viabilidade econômica e o custo benefício das propostas, sem prejuízo de outros critérios definidos no edital respectivo.
Ademais, é possível a contratação de mais de uma proposta, podendo ser dispensados, no todo ou em parte, dos documentos de habilitação, com exceção da certidão conjunta federal mencionada no §3º do art. 195 da Constituição Federal (débito com o sistema da seguridade social).

Após escolhida a proposta, a lei possibilita à administração pública a negociação com os selecionados acerca das condições econômicas e critérios de remuneração, que podem ser os descritos no §3º de seu art. 14 e, ainda, ter preço superior à estimativa, desde que haja justificativa expressa e não ultrapasse o limite máximo a que a administração pública se propõe a pagar.
Homologado o resultado da licitação, a contratação ocorrerá por meio de Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI) com vigência máxima de 12 meses, prorrogável por igual período. O pagamento da contratada está limitado ao valor de 1,6 milhão de reais ou inferior, se constar do edital.

Quando encerrado o contrato, é admitida, sem necessidade de nova licitação, a celebração de novo contrato com a mesma contratada para o fornecimento do produto, do processo ou da solução resultante do CPSI. Nesse caso, o novo contrato terá vigência máxima de 24 meses, prorrogável por igual período, com pagamento limitado ao valor de 8 milhões de reais.

Por fim, em seu último capítulo, a LC 182 realizou alterações na Lei n. 6.404/1976, que trata das Sociedades por Ações, no sentido de simplificá-las em alguns aspectos. Dentre eles tem-se a composição da diretoria, que passou do mínimo de dois para o mínimo de um membro, bem como a possibilidade de que as publicações e livros se deem de forma eletrônica nas companhias fechadas com receita bruta anual até 78 milhões de reais.

Ademais, foi prevista a facilitação, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais, sendo estas consideradas aquelas com receita bruta anual inferior a 500 bilhões de reais.

Entre os pontos alvos de crítica à LC 182 estão a ausência de menção à lei geral de licitações para aplicação subsidiária, bem como a previsão de nova contratação sem esclarecer se a hipótese é de dispensa ou inexigibilidade de licitação, já que cada uma delas possui requisitos específicos.

Ainda, não houve menção à possibilidade de enquadramento das sociedades anônimas simplificadas no Simples Nacional, dispensa de publicações dependendo do número de acionistas e regras para o Imposto de Renda. Também houve supressão, ainda na fase de tramitação do projeto, de capítulo que tratava da possibilidade de o empregado ser remunerado por meio de opção de compra de ações na startup. Todos esses eram aspectos esperados pelos integrantes do mercado, pois carentes de regulamentação.

De todo modo, o Marco Legal das Startups é de grande relevância, por criar um ambiente regulatório favorável às empresas de inovação, estimulando a criação e desenvolvimento, que representam verdadeiro vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental.

¹https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/sandbox

² http://www.susep.gov.br/setores-susep/ditec/perguntas-e-respostas-sobre-o-sandbox-regulatorio

³ http://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/sandbox_regulatorio.html