No novo CPC, a ordem cronológica de julgamentos não é inflexível


 




Continuando a série de comentários breves sobre pontos chave do projeto de novo Código de Processo Civil, a coluna examinará tema que tem gerado muita polêmica: a ordem cronológica de julgamentos, a que se refere o artigo 12 do projeto de novo CPC (que chamamos, por comodidade, de NCPC).[1]




Em textos anteriores desta coluna, examinamos outros temas, como o referente às condições da ação e à distinção entre sentença e decisão interlocutória, cujos textos podem ser lidos aqui e aqui. Para consulta à versão mais próxima da que deve encaminhada à sanção, recomendo a consulta ao ótimo quadro comparativo elaborado pelo Serviço de Redação da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal.




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De acordo com o 12 do NCPC, a prolação de sentenças ou acórdãos pelos juízes e tribunais deverá obedecer a ordem cronológica de conclusão.[2]




Trata-se de disposição que tende a materializar a isonomia processual (confira o artigo 7º do NCPC; na Constituição, confira o artigo 5º, caput), evitando-se que se dê tratamentos diferenciados e injustificáveis entre os processos que tramitem perante um mesmo órgão jurisdicional. Nesse ponto, pode-se enxergar, aqui, manifestação do princípio da impessoalidade.[3] A disponibilização, para consulta pública, da lista de processos aptos a julgamento (parágrafo 1º do artigo 12 do NCPC), por sua vez, além de poder ser vista como manifestação do princípio da publicidade (confira o artigo 11 do NCPC), torna o modus operandi da atividade jurisdicional mais previsível para as partes, dando-lhes mais segurança.




A isonomia, no entanto, não deve ser observada apenas formalmente. Dar um tratamento absolutamente uniforme de causas diferentes significaria violar a isonomia assegurada constitucionalmente.




Por isso que o direito ao tratamento isonômico também compreende o direito de ser considerado de modo particular, ou o reconhecimento do direito à diferença. Viola-se o princípio da isonomia, assim, ao se pretender dar tratamento isonômico a quem esteja em situação diferente.[4]




O artigo 12 do NCPC (especialmente o parágrafo 2º do artigo), diante disso, prevê uma série de exceções à regra.




A hipótese prevista no inciso IX do parágrafo 2º do artigo 12 do NCPC, a nosso ver, é digna de nota. Refere-se o dispositivo à “causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada”, e que poderá, diante disso, ser julgada antes das demais, fora da ordem cronológica de conclusão.




Em primeiro lugar, é importante se compreender que, como se está diante de uma ordem entre vários elementos (no caso, os processos), é natural que essa urgência seja relacional, isso é, a resolução de um caso (ou conjunto de casos) seja mais urgente que a de outro (ou de outros). Ou, em outras palavras, a urgência não é considerada em si mesma, mas em relação às outras causas que aguardam julgamento.




A urgência a que se refere o dispositivo não é limitada àquela relativa às tutelas de urgência (artigo 295 do NCPC); fosse assim, teria sido essa expressão (“tutelas de urgência”) utilizada no dispositivo. Ademais, a ordem referida no artigo 12 do NCPC refere-se a sentenças e acórdãos, não a decisões interlocutórias; e, como regra, as tutelas de urgência (assim como as de evidência, chamadas de “tutelas provisórias” pelo NCPC, confira o artigo 292) são concedidas liminarmente, por decisão interlocutória, e não por decisão que possa ser chamada de sentença (sobre a diferença entre sentença e decisão interlocutória à luz do NCPC, confira o que escrevemosaqui).




Por “urgência”, à luz do artigo 12 do NCPC, há que se considerar, de modo mais geral, a situação cujo julgamento deve ser feito com mais rapidez que as retratadas nos demais feitos que se encontram conclusos.




Pode-se estar, por exemplo, diante de hipótese em que há situação de incerteza que perdura há muito tempo e que exige que a causa seja julgada desde logo, ainda que para se julgar improcedente o pedido. Pode, ainda, o tribunal ver-se frente a recurso cujo julgamento terá grande repercussão social e econômica, sendo seu julgamento mais urgente, por tal razão, que outros.




Interpretação analógica também conduz a esse modo de pensar: O artigo 12, parágrafo 2º, I e IV do NCPC dispõe que as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido e as sentenças terminativas estão excluídas da regra prevista nocaput do mesmo artigo. Isso revela que o legislador optou por distinguir as situações em que, pelo grau de simplicidade e rapidez com que uma sentença pode ser proferida, seria injustificável que se aguardasse a prolação de decisão em outros casos, em que a elaboração do julgado tende a tomar mais tempo do juiz.




Algo parecido pode ocorrer quando houver muitas causas relativas ao mesmo tema aguardando julgamento, a justificar a prolação de sentença em todas de uma vez, ainda que não seja a hipótese de aplicação de tese firmada em julgamento de casos repetitivos (artigo 12, parágrafo 2º, II do NCPC).




Cumprirá ao juiz explicar, assim, que em determinados casos, considerados mais simples, a decisão deve ser tomada com mais rapidez, sendo injustificável que a decisão a ser proferida aguarde a resolução de caso mais complexo, no qual a confecção da sentença tomará muito mais tempo. O mesmo pode suceder quando um recurso versar sobre tema de manifesto interesse público, por exemplo.




Em todas essas hipóteses, poderá o magistrado, valendo-se de interpretação analógica do parágrafo 2º do artigo 12 do NCPC para, em decisão fundamentada, excluir da ordem cronológica de julgamento outras sentenças, não excepcionadas textualmente pelo legislador. O mesmo sucede com a prolação de acórdãos nos tribunais.




Claro que é possível dar ao artigo 12 do NCPC — assim como a outros artigos do novo Código — interpretação que chamarei de “catastrofista”, sugerindo que, com a nova lei processual em vigor, viveríamos em estado de calamidade permanente. Não me parece que isso seja adequado. A postura oposta, que interpreta a nova lei de maneira “ingênua” (acreditando que resolverá todos os problemas de morosidade do Poder Judiciário, por exemplo) é também inaceitável.




Cumpre-nos interpretar o texto que está prestes a ser sancionado de modo a extrair dele soluções condizentes com a Constituição, com o todo a que pertence e, sobretudo, com a fim a que se destina. As regras processuais devem ser interpretadas de modo a que delas se extraia o máximo rendimento, a fim de que os processos tramitem melhor, devendo ser rejeitadas todas as interpretações que conduzam a soluções contrárias ao bom senso, que poderiam levar, ao fim e ao cabo, a que a lei processual não realize aquilo a que deve servir.




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Repetimos o que dissemos quando iniciamos esta série de breves notas: nosso propósito, com a presente coluna, é o de apresentarmos textos úteis a todos que se interessam pelos problemas aqui examinados. Continuamos a receber questões relacionadas ao NCPC (para saber como enviar suas dúvidas, clique aqui).




Até a próxima!














[1] Examinamos os dispositivos da nova lei processual de modo mais detido no livro Novo Código de Processo Civil comentado, que se encontra no prelo, e que será publicado logo após a sanção da nova lei processual.
 





[2] Sobre a ordem de publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais pelo escrivão ou chefe de secretaria, confira artigo 153 do NCPC.
 





[3] Sobre a ligação entre os princípios da impessoalidade e da isonomia, cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada (3ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2014), comentário ao artigo 37 da Constituição.
 





[4] Confira o que escrevemos em Constituição Federal comentada, comentário ao artigo 5º da Constituição.

Por José Miguel Garcia Medina

Fonte: Conjur