Anulação e ineficácia do negócio jurídico praticado em fraude contra credores

Sabe-se que as situações em que o devedor aliena seus bens a terceiro, havendo conluio entre os negociantes e com intuito evidente de dilapidação ou proteção patrimonial, são combatidas pelo sistema jurídico através da ação pauliana. Assim, uma vez preenchidos os três requisitos ensejadores do reconhecimento do ato fraudulento[1], prevê a norma do art. 171, II, do Código Civil, a anulação do negócio jurídico praticado em fraude contra credores, desconstituindo-o por completo.

A despeito da disposição da norma e da escolha do legislador, verificam-se na jurisprudência[2] casos em que, em vez de anulado, o negócio jurídico é tido por ineficaz, hipótese originariamente prevista para o reconhecimento de fraude à execução (conforme art. 792, § 1.º, do Código de Processo Civil).

Com a adoção de tal entendimento, evita-se que o bem, quando desconstituído o negócio jurídico (em caso de procedência da ação pauliana), retorne indistintamente à esfera patrimonial do devedor, não beneficiando necessariamente o credor que ingressou com a ação anulatória, já que passível de constrição por qualquer outro credor (inclusive os titulares de crédito preferencial, nas hipóteses de concurso de credores). Por outro lado, se reconhecida a ineficácia – ainda que relativa – do ato fraudulento, é o negócio jurídico ineficaz apenas em relação ao credor que suscitou a fraude, afastando-se com isso o risco de outros credores aproveitarem-se do ato, porquanto subsistente em relação aos demais.

Dessa forma, sobrevindo a hipótese em comento, a sentença da ação pauliana sujeitará à excussão judicial o bem fraudulentamente transferido, mas exclusivamente em benefício do crédito fraudado e na exata medida desse[3]. Ou seja, preserva-se tanto o interesse do credor quanto o próprio negócio questionado, desde que resolvido o débito do proprietário anterior.

Assim, a solução ora indicada (de ineficácia relativa do negócio, e não de anulação) parece ser a mais adequada, na medida em que “preservaria a relação negocial com a solução do débito em relação ao credor anterior” [4], em observância tanto ao princípio da boa-fé objetiva quanto da conservação do negócio jurídico.
 




 

[1] A saber: (i) anterioridade do crédito; (ii) eventos damni; e (iii) consilium ou scientia fraudis.

[2] STJ, REsp 971.884, 3.ª T., rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 16.02.2012. Mais recentemente: (1) TJSP, AI 2173711-17.2020.8.26.0000, 34.ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Soares Levada, Data do julgamento: 28.09.2020; e (2) TJDFT, AC 0031796-65.2013.8.07.0007, 6.ª Turma Cível, rel. Des. Jair Soares, DJe 07.06.2016.

[3] Informativo 467 do STJ, de 07.04.2011. REsp 971.884-PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 22/3/2011.

[4] MEDINA, José Miguel Garcia. ARAÚJO, Fábio Caldas de. Código Civil Comentado. 1 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 195