A locação de imóveis pelo Airbnb em condomínios residenciais

O Airbnb é uma plataforma disponível na internet em que pessoas do mundo todo podem oferecer seus apartamentos e casas ou mesmo apenas algum de seus cômodos a quem tiver interesse em se hospedar nestas acomodações, o que vem gerando discussões, em especial envolvendo condomínios.

A conhecida plataforma é mais uma das várias tecnologias que compõem a recente conceituada Economia de Compartilhamento, pautada pela ação entre agentes de mercado realizada em pares ou grupos e que compartilhem de um bem ou serviço em comum1, como é o caso de Uber e Netflix.

No dia 27.05.2021 foi publicada decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na qual se decidiu que, caso a convenção do  condomínio preveja a destinação residencial das unidades, os proprietários não poderão alugar seus imóveis por meio de plataformas digitais como o Airbnb2, ficando ressalvada a possibilidade de o condomínio autorizar este tipo de modalidade em sua convenção.

Em seu voto, o Ministro Raul Araújo, relator para o acórdão, considera a locação via Airbnb como um contrato atípico de hospedagem, marcado pelo avanço da tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela internet, não guardando relação com os conceitos de domicílio e residência, previstos no art. 70 do Código Civil de 20023.

A Lei de Locações (Lei 8.245/1991), por sua vez, não tem qualquer previsão expressa sobre as características guardadas pela locação via Airbnb, nem mesmo quando trata de locação por temporada, disciplinada pelos art. 48 e seguintes deste diploma legal, o que coaduna com a classificação atípica ora adotada.

Em que pese a alta rotatividade, apontada pelo Ministro como um dos fatores essenciais para a caracterização da atipicidade do contrato, este tipo de locação também não seria equiparado, por exemplo, a um serviço de hotelaria, regido pela Lei 11.771/2008, já que este tem atividade formal e profissionalizada, com a provisão de alojamento, conforto e variados serviços à clientela.

Um dos fundamentos utilizados pelos proprietários dos imóveis é justamente o direito de propriedade, conforme disposição do art. 1.335 do Código Civil de 2002, que garante ao condômino usar, fruir e livremente dispor de suas unidades. Neste contexto, eventual limitação imposta pelo condomínio para que a locação fosse feita por intermédio do Airbnb estaria cerceando o seu direito de propriedade.

Consta, da ementa do julgado que acaba de ser publicado, o seguinte:

“1. Os conceitos de domicílio e residência (CC/2002, arts. 70 a 78), centrados na ideia de permanência e habitualidade, não se coadunam com as características de transitoriedade, eventualidade e temporariedade efêmera, presentes na hospedagem, particularmente naqueles moldes anunciados por meio de plataformas digitais de hospedagem.


Na hipótese, tem-se um contrato atípico de hospedagem, que se equipara à nova modalidade surgida nos dias atuais, marcados pelos influxos da avançada tecnologia e pelas facilidades de comunicação e acesso proporcionadas pela rede mundial da internet, e que se vem tornando bastante popular, de um lado, como forma de incremento ou complementação de renda de senhorios, e, de outro, de obtenção, por viajantes e outros interessados, de acolhida e abrigo de reduzido custo.


Trata-se de modalidade singela e inovadora de hospedagem de pessoas, sem vínculo entre si, em ambientes físicos de estrutura típica residencial familiar, exercida sem inerente profissionalismo por aquele que atua na produção desse serviço para os interessados, sendo a atividade comumente anunciada por meio de plataformas digitais variadas. As ofertas são feitas por proprietários ou possuidores de imóveis de padrão residencial, dotados de espaços ociosos, aptos ou adaptados para acomodar, com certa privacidade e limitado conforto, o interessado, atendendo, geralmente, à demanda de pessoas menos exigentes, como jovens estudantes ou viajantes, estes por motivação turística ou laboral, atraídos pelos baixos preços cobrados.


Embora aparentemente lícita, essa peculiar recente forma de hospedagem não encontra, ainda, clara definição doutrinária, nem tem legislação reguladora no Brasil, e, registre-se, não se confunde com aquelas espécies tradicionais de locação, regidas pela Lei 8.245/91, nem mesmo com aquela menos antiga, genericamente denominada de aluguel por temporada (art. 48 da Lei de Locações).


Diferentemente do caso sob exame, a locação por temporada não prevê aluguel informal e fracionado de quartos existentes num imóvel para hospedagem de distintas pessoas estranhas entre si, mas sim a locação plena e formalizada de imóvel adequado a servir de residência temporária para determinado locatário e, por óbvio, seus familiares ou amigos, por prazo não superior a noventa dias.


Tampouco a nova modalidade de hospedagem se enquadra dentre os usuais tipos de hospedagem ofertados, de modo formal e profissionalizado, por hotéis, pousadas, hospedarias, motéis e outros estabelecimentos da rede tradicional provisora de alojamento, conforto e variados serviços à clientela, regida pela Lei 11.771/2008.


O direito de o proprietário condômino usar, gozar e dispor livremente do seu bem imóvel, nos termos dos arts. 1.228 e 1.335 do Código Civil de 2002 e 19 da Lei 4.591/64, deve harmonizar-se com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas propriedades abrangidas no Condomínio, de acordo com as razoáveis limitações aprovadas pela maioria de condôminos, pois são limitações concernentes à natureza da propriedade privada em regime de condomínio edilício.


O Código Civil, em seus arts. 1.333 e 1.334, concede autonomia e força normativa à convenção de condomínio regularmente aprovada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis competente. Portanto, existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, mostra-se indevido o uso de unidades particulares que, por sua natureza, implique o desvirtuamento daquela finalidade (CC/2002, arts. 1.332, III, e 1.336, IV).


Não obstante, ressalva-se a possibilidade de os próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia, por maioria qualificada (de dois terços das frações ideais), permitir a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica, por intermédio de plataformas digitais ou outra modalidade de oferta, ampliando o uso para além do estritamente residencial e, posteriormente, querendo, incorporarem essa modificação à Convenção do Condomínio.”4


Interessante notar que o direito de propriedade já foi, inclusive, objeto de análise em outros julgados do STJ, que o considerou não mais como um direito absoluto e ilimitado, tal como em outros tempos, sendo que a solução deve partir da análise do caráter da norma restritiva, passando pelos critérios de legalidade, razoabilidade, legitimidade e proporcionalidade da medida de restrição ante o direito de propriedade (REsp n. 1.616.038/RS)5.

Ora, este é justamente um dos pontos em discussão: por um lado, o proprietário do imóvel pretende explorá-lo economicamente, disponibilizando-o à locação pelo Airbnb, e, por outro, o condomínio se pauta nos interesses comuns à residência dos demais condôminos para tentar obstar este tipo de atividade.

Neste ponto, o Ministro Raul Araújo, em seu voto, reafirmou a tese do STJ no sentido de relativizar o direito de propriedade, sendo que, no caso em apreço, esta modalidade atípica de hospedagem não estaria em harmonia com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde das demais múltiplas unidades abrangidas no condomínio.

Interessante ressaltar que o STJ ressalvou a possibilidade de os próprios condomínios disporem na convenção a possibilidade de exploração deste tipo de atividade, seja pelo Airbnb ou plataformas similares.

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1GERHARD, Felipe; SILVA JÚNIOR, Jeová T.; CÂMARA; Samuel F. Tipificando a Economia do Compartilhamento e a Economia do Acesso. Disponível em: . Acesso em 31/05/2021.
2Condomínios residenciais podem impedir uso de imóveis para locação pelo Airbnb, decide Quarta Turma. STJ, 2021. Disponível em: . Acesso em 02/06/2021.
3“Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.”
4BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Especial 1.819.075-RS. Relator: Ministro Raul Araújo. Data de publicação: DJe 27/05/2021. Disponível em: . Acesso em: 02/06/2021.
5BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial n. 1.616.038-RS. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Data de Publicação: DJe 07/10/2016. Disponível em: . Acesso em 31/05/2021.