A inteligência artificial e o juízo de admissibilidade de recursos extraordinários: o projeto STF Digital

por Nida Saleh Hatoum [1]

Não é novidade que o Supremo Tribunal Federal vem implementando projetos de inteligência artificial. Desde 2018 a Corte divulga, por exemplo, o projeto “Victor”, destinado ao exame dos recursos extraordinários que são dirigidos ao STF para identificar quais estão vinculados a determinados temas de repercussão geral. Na ocasião, o objetivo da tecnologia era “[...] aumentar a velocidade de tramitação dos processos”, vez que “A máquina não decide, não julga, isso é atividade humana. Está sendo treinado para atuar em camadas de organização dos processos para aumentar a eficiência e velocidade de avaliação judicial” [2].

No último dia 25 de fevereiro, entretanto, o Supremo Tribunal Federal divulgou notícia [3] dando conta de que o juízo de admissibilidade de 100% dos recursos extraordinários será feito de forma “automatizada”. Ao que parece, portanto, doravante, todo o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários – muito mais amplo do que o exame a respeito da existência de temas de repercussão geral – será exercido por robôs, de forma, como dito, “automatizada”.

É verdade que a utilização de inteligência artificial, em suas versões cada vez mais sofisticadas, é tendência que alcança não só o Poder Judiciário, mas todos os âmbitos da sociedade, e também é verdade que há relevantes benefícios a serem considerados.

Causa certa preocupação, entretanto, o fato de que a única finalidade da tecnologia, como se extrai da notícia divulgada, não mais seja imprimir velocidade na tramitação dos recursos, mas sim reduzir o número daqueles que passarão a tramitar perante a Corte. Há a divulgação, inclusive, de que o “sucesso do processo Juízo de Admissibilidade está nos números”, uma vez que “ao menos 90% dos recursos extraordinários com agravo deixaram de ser distribuídos”.

Veja-se que o filtro imposto pelo necessário preenchimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais (sobretudo do recurso extraordinário, com a repercussão geral da questão constitucional) já é suficientemente exigente. Um juízo de admissibilidade 100% automatizado, se não for muitíssimo bem aparelhado, certamente não será capaz de detectar minúcias e peculiaridades que permeiam os casos concretos e que, com frequência, afastam a aplicação de determinados precedentes.

Não há dúvidas de que a medida imporá aos advogados a importante tarefa de, não obstante se atentar ao preenchimento dos pressupostos de admissibilidade, também elaborar o recurso de modo a evitar que não sejam conhecidos em razão da análise inicial extremamente objetiva que será exercida exclusivamente por robôs, com o objetivo de, sempre que possível, impedir a sua distribuição no STF. É dizer: será necessário que os recursos sejam redigidos de forma cada vez mais clara, técnica e sucinta.






[1] Doutoranda em Direito Civil pela USP. Mestra em Direito Negocial pela UEL. Bacharel em Direito pela UEM. Advogada. Diretora do Contencioso Cível Especializado do Escritório Medina Guimarães. E-mail: nida@medina.adv.br.

[2] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038

[3] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461131&ori=1