A inadmissibilidade de suspensão automática da execução em razão da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica

O texto do § 3.º do art. 134 do CPC dispõe que a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica suspenderá o processo.

Todavia, referido texto não enuncia de forma expressa que tal suspensão deve ser aplicada apenas em relação àquelas pessoas cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar, a fim de que também seu patrimônio responda pela satisfação do débito.

Tendo em mente tal premissa, deve-se fazer uma interpretação lógica e sistemática do referido dispositivo, no sentido de que a suspensão da execução em razão da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se aplica aos devedores originários, vez que estes já respondem inicialmente pela dívida exequenda.

O crédito exequendo, por estar embasado em título executivo, já se encontra devidamente reconhecido pelo ordenamento jurídico como líquido, certo e exigível (cf. art. 783 do CPC), sendo plenamente possível, portanto, o prosseguimento da execução contra os devedores originários (que, eventualmente, poderão discutir a cobrança através, p. ex., dos embargos à execução, cf. art. 917 do CPC).

Se a execução fosse suspensa quando da instauração do incidente, certamente a satisfação do crédito seria prejudicada, vez que qualquer ato constritivo no bojo executivo somente poderia ser efetivado após o julgamento do mérito do incidente, em prazo indefinido. Assim, não se pode descartar a possibilidade de que, enquanto o processo de execução aguarda o julgamento do incidente, os devedores originários esvaziem seu patrimônio, frustrando a recuperação do crédito e tornando a execução completamente ineficaz.

Além disso, tem-se que o prosseguimento dos atos executivos em relação aos devedores originários não se mostra prejudicial aos desconsiderandos, já que, além de não recaírem sobre quaisquer bens de seu patrimônio, eventual êxito inevitavelmente implicará no abatimento da dívida, de modo que, por consequência, na hipótese de acolhimento do mérito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o patrimônio dos desconsiderandos sofrerá interferências em proporções muito menores.

Sobre a desnecessidade de suspensão da execução quando da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, José Miguel Garcia Medina1 escreve que: “Não nos parece acertado suspender-se todo o processo, em razão da instauração do incidente. Mais adequado cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração, – nada impedindo a prática de outros atos executivos, por exemplo, no curso do procedimento”.

Do mesmo modo, preceitua o Enunciado n. 110 da II Jornada de Direito Processual Civil da Justiça Federal que: “A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não suspenderá a tramitação do processo de execução e do cumprimento de sentença em face dos executados originários”.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, muitos Tribunais de Justiça, tais como TJSP2, TJPR3, TJSC4, TJRS5, TJRJ6, TJDFT7, TJMG8, TJMT9, TJAM10 e TJSE11, têm entendido que a suspensão prevista no § 3.º do art. 134 do CPC alcança apenas aqueles que integram o polo passivo do incidente de desconsideração e os atos cuja concretização dependa da prévia solução do incidente, prosseguindo-se a execução contra os devedores originários.

Desta feita, conclui-se que, em que pese o texto do § 3.º do art. 134 do CPC preveja que “a instauração do incidente suspenderá o processo”, a interpretação lógica e sistemática da disposição deve ser no sentido de a suspensão não se aplica aos devedores originários, mas tão somente àqueles cuja personalidade jurídica se pretende desconsiderar por meio do incidente.

 

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1MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 2016. p. 241-242.

2(1) TJSP, AI n. 2090059-68.2021.8.26.0000; 19.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mourão Neto, j. 09.06.2021; (2) TJSP, AI n. 2220412-02.2021.8.26.0000, 12.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Castro Figliolia, j. 03.11.2021; e (3) TJSP, AI n. 2156570-48.2021.8.26.0000, 12.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Tasso Duarte de Melo, 03.12.2021.

3(1) TJPR, AI n. 0005742-53.2021.8.16.0000, 14.ª Câmara Cível, Rel. Des. Themis de Almeida Furquim, j. 17.05.2021; (2) TJPR, AI n. 0034300-69.2020.8.16.0000, 12.ª Câmara Cível, Rel. Des. Rogério Etzel, j. 17.05.2021; e (3) TJPR, AI n. 0050655-23.2021.8.16.0000, 16.ª Câmara Cível, Rel. Des. Lauro Laertes de Oliveira, j. 29.11.2021.

4(1) TJSC, AI n. 4028330-66.2018.8.24.0000, Sexta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. André Luiz Dacol, j. 05-11-2019; (2) TJSC, AI n. 5036804-38.2020.8.24.0000, Quarta Câmara de Direito Comercial, Rel. Des. Janice Goulart Garcia Ubialli, j. 02-03-2021; e (3) TJSC, AI n. 5017271-59.2021.8.24.0000, Quinta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22-06-2021.

5(1) TJRS, AI n. 50392943220218217000, Vigésima Câmara Cível, Rel. Des. Dilso Domingos Pereira, j.16.06.2021; e (2) TJRS, AI n. 70083575779, Décima Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Liege Puricelli Pires, j. 12.03.2020.

6(1) TJRJ, AI n. 0034996-87.2021.8.19.0000, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Luciano Saboia Rinaldi De Carvalho, j. 30.11.2021; e (2) TJRJ, AI n. 0057912-18.2021.8.19.0000, Décima Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Margaret de Olivaes Valle Dos Santos, j. 10.11.2021.

7(1) TJDFT, AI n. 1376373, 07155170320218070000, 3.ª Turma Cível, Rel. Des. Fátima Rafael, j. 29.09.2021; (2) TJDFT, AI n. 07510072320208070000, 7.ª Turma Cível, Rel. Getúlio de Moraes Oliveira, j. 28.04.2021; e (3) TJDFT, AI n. 07128363120198070000, 6.ª Turma Cível, Rel. Des. Esdras Neves, j. 04.09.2019.

8(1) TJMG, AI n. 1.0000.19.023423-7/001, 17.ª Câmara Cível, Des. Rel. Roberto Vasconcellos, j. 30.05.2019; (2) TJMG, AI n. 1.0024.19.006261-2/001, 9.ª Câmara Cível, Rel. Des. Amorim Siqueira, j. 21.07.2020; e (3) TJMG, AI n. 1.0000.20.567490-6/001, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Jaqueline Calábria Albuquerque, j. 27.07.2021.

9(1) TJMT, AI n. 1017072-05.2020.8.11.0000, Câmaras Isoladas Cíveis de Direito Privado, Rel. Des. Marilsen Andrade Addario, j.14.10.2020.

10(1) TJAM, AI n. 4007365-54.2020.8.04.0000, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Yedo Simões de Oliveira, j. 23.08.2021; (2) TJAM, AI n. 4005606-21.2021.8.04.0000, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Joana dos Santos Meirelles, j. 13.12.2021; e (3) TJAM, AI n. 0000482-28.2021.8.04.0000, Segunda Câmara Cível, Rel. Des. Yedo Simões de Oliveira, j. 19.04.2021.

11(1) TJSE, AI n. 0000211-68.2020.8.25.0000, 1.ª Câmara Cível, Rel. Des. Ruy Pinheiro da Silva, j. 03.07.2020.