A desnecessidade e/ou impossibilidade de individualização da garantia fiduciária

A (des)necessidade e/ou impossibilidade da individualização do objeto dado em garantia fiduciária tem sido um tema polêmico e frequentemente debatido junto aos tribunais brasileiros. O STJ começou a tratar do assunto com maior frequência no ano de 2020, tendo em vista que a matéria se tornou recorrente em processos de recuperação judicial, com devedores requerendo que os créditos de seus credores, garantidos fiduciariamente, se tornassem sujeitos aos efeitos da recuperação[1] quando não houvesse individualização da “coisa” dada em garantia.

A jurisprudência do STJ tem se debruçado no entendimento de que é desnecessário e muitas vezes impossível a individualização das garantias fiduciárias, tendo em vista a orientação firmada no sentido da possibilidade de que a cessão fiduciária em garantia da cédula de crédito bancário recaia sobre um crédito futuro (a performar), o que, per si, inviabiliza a especificação do correlato título (já que ainda não emitido)[2].

Isso ocorre pelo fato de que, quando uma dívida é garantida fiduciariamente, o crédito cedido para a constituição da garantia não se materializa em títulos específicos, mas sim naquele conjunto de duplicatas, recebíveis de cartão de crédito, entre outros, que forem se performando e sendo emitidos ao longo da atividade empresarial do devedor.

Caso fosse necessário apresentar toda a relação de títulos que garantissem a operação no momento da contratação e tornasse impossível a garantia futura, a própria contratação não teria mais razão de existir, pois a empresa precisaria ter todo o valor garantido “parado”, ou seja, depositado em conta vinculada ao contrato, o que tornaria inócua a própria natureza do contrato garantido por cessão fiduciária.

É por este motivo que, em julgados recentíssimos, o STJ tem decidido que a individualização das garantias não é relevante para liberação das travas bancárias. Deste modo, a não individualização não torna o crédito sujeito aos efeitos da recuperação judicial e tampouco sua ausência é motivo para que o credor precise proceder com a liberação das travas bancárias.

[1] Violando a redação do artigo 49, §3º da Lei n. 11.101/05

[2] AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1.816.967/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 8.9.2020