Também na advocacia: maternidade ainda desafia desempenho profissional

A maternidade exige uma série de mudanças na vida de qualquer mulher, seja para aquelas que querem dedicar-se exclusivamente aos filhos, ou para quem não quer abdicar de suas aspirações profissionais. Mas, para aquelas que optam por seguir com sua carreira profissional, surge a tarefa de conciliar os dois papéis. Os primeiros anos da maternidade podem parecer incompatíveis com a atuação profissional em muitas áreas, inclusive na advocacia, ainda mais quando se pensa na atuação autônoma.

Para falar sobre a maternidade na advocacia, primeiro é preciso destacar que o espaço da mulher nesse âmbito vem sendo conquistado com o passar dos anos. Isso é tão evidente que, atualmente, o número de advogadas supera o de advogados, conforme dados oficiais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) . No entanto, nem sempre foi assim. Como em outras profissões majoritariamente exercidas por homens, a primeira advogada do Brasil, Myrthes Gomes de Campos, teve que vencer vários obstáculos para conseguir atuar na área, como, por exemplo, o de ingressar no Instituto da Ordem dos Advogados do Brasil, que precedeu a OAB. Em 1899, ela começou a carreira como estagiária, mesmo já formada, e só em 1906 conseguiu ingressar no instituto efetivamente como advogada.

Por mulheres como Myrthes, mesmo diante de todos os empecilhos impostos pela sociedade, hoje a representatividade feminina da advocacia é perceptível e a força das advogadas é destaque. Contudo,  mais mulheres precisam encontrar um equilíbrio entre as vidas profissional e  de mãe. 

Ainda que não seja o ideal, na maioria dos casos, a mãe é que fica com grande parte da responsabilidade pela criação dos filhos -– o que exige uma série de mudanças.

Ao se tornar mãe, com um amor incomparável, surge também a responsabilidade sobre uma vida nova, alguém que precisa de total atenção, principalmente nos primeiros anos. Ao mesmo tempo, a profissão advocatícia, especialmente para aquelas que atuam de forma autônoma, é desafiadora, porque, na maioria das vezes,  não há horário fixo ou qualquer outra previsibilidade.

As mudanças começam já na gestação. Em que pese a beleza de estar gerando um pequeno ser humano, a mulher precisa lidar com mudanças físicas e emocionais, que, na maioria das vezes, dificultam até mesmo a realização de tarefas simples.

Na busca de uma vida mais  equilibrada diante de tantas transformações, as mães advogadas podem contar com alguns direitos.Inicialmente, destaca-se o artigo 7º-A da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e OAB), incluído pela Lei nº 13.363/2016. Ao analisarmos o dispositivo, percebe-se que os direitos ali previstos estão voltados para a maternidade, seja para a gestante, lactante, adotante ou quem der à luz.

Estão previstos direitos relacionados ao acesso da gestante aos tribunais, como em relação às vagas de garagem e a não ser submetida a aparelhos de raios X (inciso I, alínea a e b), bem como preferência na ordem das sustentações orais e das audiências a serem realizadas a cada dia (inciso III).

O artigo chega a prever até mesmo acesso à creche ou local adequado ao atendimento das necessidades do bebê (inciso II). No entanto, essas previsões ainda não condizem com a realidade da maioria dos fóruns e tribunais.

Considerando o número de advogadas, é possível que exista uma mudança gradual nas estruturas dos fóruns e tribunais, ambientes que foram por muito tempo dominados por homens.

Uma das mais importantes previsões do art. 7-A está em seu inciso IV e diz respeito à possibilidade de suspensão de prazos processuais quando a advogada for a única patrona da causa. Isso porque seria inconcebível pensar em uma advogada autônoma, sem o apoio de uma equipe jurídica, dar à luz, tendo que se preocupar com o cumprimento dos prazos processuais. Todavia, nos termos do § 3º do art. 7º-A, aplica-se o § 6º do art. 313 do Código de Processo Civil, que prevê que a suspensão será pelo período de somente trinta dias, contado a partir da data do parto ou da concessão da adoção. Diante disso, muitas advogadas precisam voltar a trabalhar em pleno puerpério, que é a fase pós-parto em que a mulher experimenta modificações físicas e psíquicas.

A situação das mães advogadas está longe de ser a ideal, assim como de outras mães das mais diversas áreas. A experiência que a maternidade proporciona é de profunda dedicação, situação que se reflete no trabalho, pois uma coisa não anula a outra. Não existe só uma maternidade certa, existe aquilo que é certo para cada mãe, inclusive, para aquelas que querem continuar alcançando suas pretensões profissionais sem abdicar do amor materno.

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