STJ decide que produtos agrícolas não são bens de capital essenciais de fazenda em recuperação judicial

Em decisão proferida no último mês, ao julgar o Recurso Especial n.º 1.991.989 – MA, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que produtos agrícolas, como soja e milho, não são bens de capital essenciais à atividade da propriedade rural em recuperação judicial, portanto, dispensáveis ao soerguimento da empresa.

Segundo o entendimento consignado no acórdão do Tribunal de Justiça do Maranhão, os grãos produzidos na fazenda em recuperação judicial, bem como sua posterior comercialização, seriam essenciais à atividade empresarial da propriedade e, por essa razão, não poderiam ser retirados do local ou retomados pelos credores.

Para o STJ, o posicionamento do tribunal de origem é contrário à norma compreendida na parte final do parágrafo § 3.º do artigo 49 da Lei de Recuperações e Falências (Lei n.º 11.101/2005), que proíbe a venda ou retirada de bens de capital essenciais à atividade empresarial do devedor durante seu stay period.

É cediço que questões referentes à essencialidade de bens para o exercício da função empresarial não devem ser generalizadas, mas sim estipuladas a partir de uma análise pormenorizada do caso concreto. Contudo, tal análise não é condição que impeça a tomada dos bens por credores, sobretudo os fiduciários, razão pela qual é crucial que se delimite o que se encaixa no conceito de bem de capital.

Neste viés, a relatora do recurso mencionado, Ministra Nancy Andrighi, advertiu sobre a necessidade de retomar os conceitos de: (i) bem de capital essencial; e (ii) bem de consumo, que são antagônicos, para, após isso, estabelecer quais bens condizem com tal especificação para que possam ou não ser objetos de alienação e/ou removidos da fazenda em recuperação judicial.

A relatora trouxe ambas as definições às quais se filiou para fundamentar seu entendimento, contidas em voto proferido no julgamento do conflito de competência n.º 153.473 – PR, quais sejam: (i) “por bem de capital, deve-se compreender aqueles imóveis, máquinas e utensílios necessários à produção. Não é, portanto, o objeto de comercialização da pessoa jurídica em recuperação judicial, mas o aparato, seja bem móvel ou imóvel, necessário à manutenção da atividade produtiva, como veículos de transporte, silos de armazenamento, geradores, prensas, colheitadeiras, tratores, para exemplificar alguns que são utilizados na produção dos bens ou serviços”; (ii) já o bem de consumo “institui aquilo que é produzido com utilização do bem de capital, seja durável ou não durável, e que será comercializado pela empresa, ou prestado na forma de serviços” (v.g. STJ, CC n. 153473/PR, 3.ª S., Rel.: Min. Luis Felipe Salomão, j. 26.06.2018).

Cumpre salientar que, como também assinalou a relatora, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) assevera que, entre os bens de capital do setor agrícola, não estão inseridos os produtos como grãos, mas tão somente o maquinário e silos armazenadores de tais frutos, ou seja, os meios de produção e armazenamento destes (Disponível em <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/industria/9319-indices-especiais-de-bens-de-capital.html?=&t=downloads>. Acesso em 18 de julho de 2022).

Da atenta análise de ambos conceitos trazidos pela relatora, se faz possível concluir que os grãos produzidos pela fazenda em recuperação judicial não são bens de capital, porquanto não integram a cadeia produtiva, nem são insumos para efetivar a produção, mas, sim, são obtidos como fruto de todo o processo.

Consoante ao entendimento ora externado, os grãos se enquadram no conceito de bem de consumo, pois, sem o maquinário, insumos e armazenamento adequados, não seria possível obtê-los ao final de uma safra. Portanto, apenas estes últimos são indispensáveis à atividade da propriedade agrícola.

Ademais, muito embora não seja o caso da situação ora analisada, é importante consignar que os dispositivos citados da Lei de Recuperações e Falências não vedam a alienação de bens de capital de empresas em recuperação judicial, apenas por se adequarem ao conceito de bem de capital.  É importante que se certifique que o bem de capital seja realmente imprescindível à realização da atividade empresarial para que ele não seja alienado.

Logo, é evidente que os grãos produzidos em uma fazenda não são essenciais à sua atividade empresarial, pois são apenas o resultado de toda a cadeia produtiva e, nessa sim, estão incluídos os reais bens de capital essenciais que não podem ser de lá retirados ou alienados, sob de pena de comprometimento ou impedimento das atividades empresariais.

 

Veiculado em: https://www.conjur.com.br/2022-out-30/paula-castanho-bens-essenciais-capital-fazenda-rj