Regimes de bens no casamento e o planejamento sucessório

A celebração do casamento civil exige que os nubentes escolham qual regime de bens incidirá durante a constância da relação conjugal e após o rompimento do vínculo (seja pela via do divórcio, seja em razão do evento morte). A regra geral é que incida o regime da comunhão parcial de bens (considerado como o regime legal ou supletivo) e caso os nubentes desejem eleger outro regime de bens, a escolha deverá ser exteriorizada mediante pacto antenupcial que observará a forma de escritura pública.

Segundo o Professor Paulo Lôbo, “o regime de bens tem por fito regulamentar as relações patrimoniais entre os cônjuges, nomeadamente quanto ao domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens trazidos ao casamento e os adquiridos durante a união conjugal[1].

No ordenamento jurídico brasileiro são quatro os regimes de bens tipificados: o regime da comunhão parcial de bens, o regime da separação de bens (convencional ou obrigatório), o regime da comunhão universal de bens e o regime de participação final nos aquestos. É facultado aos cônjuges, também, elegerem, caso queiram, regime misto (fundindo tipos, elementos ou partes de cada um dos regimes).

O que diferencia cada um dos regimes é, essencialmente, o tratamento jurídico destinado aos bens dos cônjuges. No regime da comunhão parcial comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, salvo as exceções legais (cf. art. 1.658 do Código Civil). O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, salvo as exceções legais (cf. art. 1.667 do Código Civil). No regime da separação de bens (convencional ou obrigatória), os bens de cada cônjuge, independentemente de sua origem ou do momento de aquisição, não se comunicam e permanecem nos patrimônios individuais. Por fim, no regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento (cf. art. 1.672 do Código Civil).

O estatuto patrimonial dos cônjuges, estabelecido com a eleição do regime de bens, ganha especial importância quando há a dissolução do vínculo conjugal – o que ocorre em razão do divórcio ou em razão do evento morte.

Nesta segunda hipótese estabelece-se a concorrência sucessória do cônjuge, que é considerado como herdeiro necessário pelo ordenamento jurídico (cf. art. 1.845 do Código Civil). A transmissão patrimonial, nesse contexto, pode tomar diversos rumos, a depender do regime de bens.

Na sucessão legítima tem-se, por exemplo, que, caso sobrevenha o falecimento de um dos cônjuges, no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente terá direito à meação sobre os bens comuns (que corresponde ao percentual de cinquenta por cento) e à herança em relação aos bens individuais do falecido em concorrência com os demais herdeiros. Por outro lado, no regime de comunhão universal incidirá o direito à meação do cônjuge supérstite sobre todos os bens. No regime da separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente não terá direito à herança. Contudo, no regime da separação convencional, o cônjuge herdará os bens individuais do falecido, em concorrência com os demais herdeiros, conforme tese firmada pela 2.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça[2] no sentido de que “o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário".[3]

Em razão dos efeitos sucessórios decorrentes da escolha do regime de bens, a sua análise deve ser objeto de consideração acurada quando, por exemplo, da realização do planejamento sucessório de um dos cônjuges (ou de ambos).

É possível dizer que através do planejamento sucessório, ao qual se integram diversas ferramentas (como o testamento, as holdings, o seguro de vida, etc.), assegura-se aos envolvidos a transmissão do acervo patrimonial após a morte, de maneira segura e eficaz.

Um planejamento sucessório feito de maneira diligente deve levar em consideração o regime de bens que incide nas relações conjugais dos envolvidos.

Caso seja necessário, as partes podem optar pela alteração do regime mediante autorização judicial, conforme permitido pelo art. 1.639, §2.º, do Código Civil, que prevê que: “é admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Como são diversos os desdobramentos jurídicos da eleição do regime de bens (durante e após a constância do vínculo conjugal), a escolha deve ser realizada de maneira consciente, sem prejuízo da utilização das ferramentas legais para adequação da vontade das partes.

 

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[1] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 334.

[2] Consolidado no julgamento do Recurso Especial n. 1.382.170/SP.

[3] AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE SUCESSÃO. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. EXEGESE DOS ARTS. 1.845 E 1.829, II, DO CÓDIGO CIVIL/2002. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. REGRAMENTO VOLTADO PARA AS SITUAÇÕES DE PARTILHA EM VIDA. CONDIÇÃO DE HERDEIRO NECESSÁRIO INDISPONÍVEL POR PACTO ANTENUPCIAL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Segunda Seção do STJ pacificou o entendimento de que "o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário". Precedentes. 2. Verificada a harmonia entre o acórdão recorrido e o entendimento desta Corte Superior, tem incidência o enunciado n. 83/STJ, inviabilizando o provimento do recurso especial. 3. Agravo interno desprovido”. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.840.911/SP, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF, julgado em 24 de agosto de 2020).