Reforma tributária brasileira: um desafio e tanto

Não é de hoje que se discute a necessidade de se implementar uma reforma tributário no Brasil. Além de não ser novidade, o sistema tributário atual não coopera para o crescimento econômico do país, e ainda é considerado extremamente desigual, complexo e não contribui para a harmonia dos entes federados.

É bem verdade que os tributos nunca foram e até hoje não são bem-vistos pela sociedade. Ao longo da história, os tributos eram impostos de modo arbitrário e opressor, sendo inclusive fundamento de diversas revoltas e revoluções, fazendo com que regimes e governantes fossem depostos, devido aos abusos cometidos pelo Estado[1].

O tema é complexo e espinhoso e podemos dizer que, desde os primórdios da transição do Brasil Império para o Brasil República (1889)[2], o tema da reforma tributária sempre esteve em pauta, tendo como objetivo e promessa, buscar um sistema político-econômico mais equilibrado.

Para isso, entendeu-se como mais adequada a distribuição de competências entre os novos entes da federação, bem como promover a modernização e o desenvolvimento do Estado brasileiro, no qual a tributação teria papel preponderante, uma vez que além de ser um instrumento de arrecadação, também é meio para efetivação de políticas públicas capazes de promover justiça social.

Mas, ao se analisar a história do sistema tributário no Brasil, principalmente após o processo de redemocratização, o que podemos ver é a negligencia dos diversos governos, sejam de direita ou de esquerda, ficando a reforma tributária - necessária para o Brasil -, esquecida na agenda das urgências do governo, impedindo o país de se encontrar com o crescimento e com o tão sonhado e fundamental processo de inclusão social[3].

Pode-se dizer que existiram duas grandes mudanças no sistema tributário desde a constituição da República. A primeira ocorrida em 1966[4], decorrente do regime autoritário que se instalava no país, o qual enfrentava o grande desafio de não sucumbir diante do caos econômico e social em que se encontrava, tendo como maiores compromissos ajustar e modernizar o sistema com vistas a promover o crescimento econômico e aumentar a arrecadação. Ainda, foram criados incentivos fiscais e financeiros para setores considerados estratégicos no novo modelo de desenvolvimento.

Referida mudança foi considerada a mais ousada e radical que o ordenamento jurídico brasileiro já teve até o momento. Pela primeira vez havia-se desenhado um sistema e não apenas um conjunto de normas que meramente regulavam a forma de arrecadação, trazendo maior racionalidade, criando ferramentas que se adequavam ao estágio de desenvolvimento econômico que o Brasil se apresentava e edificando de fato uma estrutura tributária mais eficiente e técnica[5].

Ocorre que, o caminho trilhado, com renúncias tributárias feitas para as camadas mais favorecidas da sociedade, ergueu-se um verdadeiro “paraíso fiscal” para o capital[6], limitando assim a capacidade do Estado de desenvolver políticas públicas, bem como de garantir sua sustentabilidade, provocando com isso um aumento das desigualdades sociais, pois como regra, a conta sempre fica mais cara para os menos favorecidos.

Com um cenário mundial nada favorável devido a crises econômicas de diversos países, o Brasil mergulhou em uma recessão profunda. Rendido à malsucedida estratégia de crescimento e desenvolvimento, sem o governo ter condições de realizar uma reforma profunda e criar mecanismos para sair da situação em que se encontrava, teve como consequência o desmonte da política econômica, com a diminuição dos incentivos fiscais, aumento de impostos e surgimento de inúmeras contribuições tributárias[7].

Com isso, o governo perdeu rapidamente o apoio daqueles que eram os maiores beneficiados, as classes médias[8]. Somando-se a isso o descontentamento dos empresários e industriais, o sistema ingressou em uma rápida desintegração, desembocando na necessidade de uma nova reforma.

A segunda grande mudança no sistema tributário aconteceu com o advento da Constituição de 1988, pela qual inaugurou uma nova ordem normativa do sistema jurídico, conduzindo o país a um processo de redemocratização e constitucionalização de diversos ramos do direito – o que inclui o direito tributário.

A partir disto, pode-se verificar que houve uma significativa mudança de paradigma na compreensão, interpretação e aplicação do direito tributário, tendo em vista que a Constituição de 1988 evidenciou o caráter social do Estado brasileiro em resposta à demanda reprimida da sociedade por políticas sociais.

Uma das grandes preocupações da Constituição de 1988 foi reforçar o processo de descentralização, mudando significativamente a distribuição de competências e de receitas entre os entes da federação, atribuindo muito mais benefícios aos estados e municípios em detrimento à União.

Neste novo cenário, a União acabou deixando de contar com impostos significativos, tais como o dos transportes rodoviários e serviços de telecomunicação, energia elétrica, combustível e minerais, os quais acabaram por integrar o ICMS. Ainda, a União se sujeitou a ver fatiados os recursos provenientes do IR (Imposto de Renda) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) com os estados e municípios. Ficaram destinados à União o ITR (Imposto sobre a Propriedade Rural) - de arrecadação inexpressiva – e também o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), que até o momento não foi regulamentado[9].

Não obstante às significativas mudanças que a Constituição de 1988 proporcionou para todo o ordenamento jurídico, podemos dizer que estas não foram suficientes para corrigir graves distorções no sistema tributário brasileiro, sobretudo considerando que a Constituição de 1988 não se preocupou em trazer quais seriam as fontes que sustentariam toda a estrutura garantista por ela desenhada.

Fato é que, a Constituição de 1988, com a boa intenção de atribuir ao Estado a responsabilidade de promover e garantir direitos sociais, criou uma estrutura ampla de direitos. Contudo, essa equação enfrentaria grandes dificuldades para se sustentar. Vale ressaltar que todo direito tem um custo, sejam os direitos civis e políticos, sejam os direitos econômicos, sociais e culturais. Neste sentido, é importante compreender que, tão importante quanto a implementação, a promoção e a proteção de referidos direitos, é a compreensão de como estes direitos serão efetivamente financiados e sobre como os respectivos recursos serão distribuídos, especialmente compreendendo o problema de escassez destes.[10]

Em consequência desse movimento, gerou-se uma carga tributária pesada para o contribuinte, com a criação pela União de inúmeras contribuições sociais, sendo esse o caminho mais rápido escolhido para obtenção de receitas, tendo em vista a não obrigatoriedade de repartição da receita com os estados e municípios. Não bastasse isto, o governo aprovou ainda diversas medidas com o aumento significativo de alíquotas de diversos impostos, criando assim um sistema altamente letal para a economia, levando o país mais uma vez a enfrentar crises e recessões.

Atualmente o Brasil enfrenta grandes desafios para sair da crise econômica e instabilidade política que se encontra. Embora saibamos que a retomada para o crescimento e estabilidade do país deverá se dar por diversas vias, como apontam especialistas e economistas, a reforma tributária se mostra necessária para que se viabilize a retomada do crescimento econômico, bem como para que se promova uma maior e melhor redistribuição de renda e redução das desigualdades sociais, não sendo somente uma ideia de tributar mais os mais ricos e menos os mais pobres, mas sim buscar o crescimento do maior número de pessoas. Sobre o tema, verificam-se estudos que comprovam que sociedades com altos níveis de desigualdades tendem a serem economicamente ineficientes, seja pela instabilidade política ou social que decorrem desse problema[11].

Não são fáceis os desafios que o Brasil tem enfrentado para buscar uma reforma tributária mais ampla, sobretudo considerando um cenário em que ninguém quer abrir mão de receitas. Indubitavelmente, todos os governos eleitos após a constituição do Estado democrático não se dispuseram, até hoje, a enfrentar o tema com o vigor necessário, introduzindo apenas mudanças pontuais, postura que, em linhas gerais, se justifica pela complexidade da matéria, que sempre causa incômodos nas classes dominantes, não compensado aos governantes os riscos políticos que uma medida mais drástica representaria.

Enfim, não há como negar que qualquer projeto de desenvolvimento do país que não esteja alicerçado no crescimento econômico e na justiça social, está fadado ao fracasso e qualquer projeto de reforma tributária que não esteja comprometida a promover um sistema mais justo e equânime, estará fazendo mais do mesmo.



[1] FUKITA, Francesca Haide. Uma análise da interdependência entre direito tributário e direitos humanos. 26f. 2021. Unicesumar - Universidade Cesumar de Maringá, 2021, p. 11

[2] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p.23

[3] BARBOSA, Larissa Friedrich Reinert. Reforma tributária e Justiça social. Rio de Janeiro: Ipea, OAB/DF, 2018, p. 268.

[4] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 70.

[5] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 71.

[6] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 77.

 

[7] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 79.

[8] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 81.

[9] OLIVEIRA, Fabrício Augusto de. Uma pequena história da tributação e do federalismo fiscal no Brasil: a necessidade de uma reforma justa e solidária. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020, p. 86.

[10] HOLMES, Stephen. O custo dos direitos: por que a liberdade depende dos impostos / Stephen Homes e Cass R. Sunstein; tradução de Marcelo Brandão Cipolla. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2019, p. 75.

[11] RIBEIRO, Ricardo Lodi. Desigualdade e tributação na Era da austeridade seletiva / Ricardo Lodi Ribeiro. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 147.