O incidente de assunção de competência do STJ

A análise dos dispositivos que integram o CPC/2015 evidencia que diversos foram os mecanismos incluídos com vistas à eliminação e à prevenção de divergências jurisprudenciais, o que demonstra que o legislador, ainda que ocasionalmente tolere a convivência de decisões diferentes sobre a mesma matéria, não as deseja. É o que se verifica, por exemplo, da inteligência (i) dos arts. 976 e seguintes do CPC, que disciplinam o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas; (ii) dos arts. 1.036 e seguintes do CPC, que regulam o julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos; e (iii) do art. 947 do CPC, que prevê o Incidente de Assunção de Competência.

Especificamente sobre a última modalidade, pode-se afirmar que o propósito do legislador foi o de oferecer uma alternativa para os casos em que, embora a questão de direito seja relevante e tenha repercussão social, inexista multiplicidade de recursos e demandas, ou seja, seja inviável a afetação dos recursos ao rito dos repetitivos (cf. arts. 1.036 e ss. do CPC e 256 e ss. do RISTJ) e, igualmente, não seja possível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas (cf. arts. 976 e ss. do CPC).

No entanto, tem-se que, a despeito de o art. 947 do CPC mencionar expressamente que a “repetição de múltiplos processos” não se apresenta como requisito para a assunção de competência, o que torna sua aplicação mais simplificada e menos restritiva, de certo modo, se comparada à afetação de recursos repetitivos e à instauração do IRDR, o IAC foi instaurado no STJ apenas em oito oportunidades desde 2017 (sendo três em 2017, uma em 2018, duas em 2019 e duas em 2020¹).

Esses números revelam que a técnica da assunção de competência é utilizada no STJ com muito menos frequência do que a técnica dos recursos repetitivos, por exemplo, considerando que enquanto em 2020 apenas dois IACs foram instaurados na Corte Superior, foram afetados 38 recursos especiais².

É importante destacar, nesse contexto, que os precedentes qualificados oriundos tanto de julgamentos de recursos especiais repetitivos, como de julgados cuja competência foi “assumida” pelo órgão especializado em detrimento do órgão fracionário, têm, por assim dizer, as mesmas consequências jurídicas, eis que: (i) ocasionam a improcedência liminar do pedido se a petição inicial veicular matéria que contrarie as teses firmadas nessas hipóteses (art. 332, III, do CPC); (ii) geram aos juízes e aos tribunais a obrigatoriedade de observar os acórdãos proferidos nesses casos (art. 927, III, do CPC); (iii) autorizam que o relator negue provimento ao recurso que for contrário às teses estabelecidas (art. 932, IV, “b” e “c”, do CPC); (iv) autorizam que o relator, depois da apresentação de contrarrazões, dê provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária às teses estabelecidas (art. 932, V, “b” e “c”, do CPC); (v) ocasionam o ajuizamento de reclamação (art. 988, IV, do CPC); e (vi) ocasionam a omissão de julgados que não se manifestarem sobre as teses firmadas (art. 1.022, parágrafo único, I, do CPC).

De mais a mais, a assunção de competência, como prevê o art. 947, § 4.º, do CPC, visa, também, à prevenção ou à composição de divergência, e tem duplo propósito: contribui para a segurança jurídica aos jurisdicionados e informa o Poder Judiciário sobre qual a orientação é considerada em conformidade com a norma jurídica, para o Tribunal superior.

Assim, quando, por exemplo, o fundamento para a não admissão de recursos excepcionais repetitivos for a ausência de multiplicidade de recursos na origem, é conveniente que se instaure o Incidente de Assunção de Competência, seja porque trata-se de técnica que não exige o requisito numérico, seja porque visa precipuamente à prevenção de divergências nos Tribunais, seja porque possui as mesmas consequências jurídicas do julgamento de recursos especiais repetitivos.

 

¹Disponível em https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp.  Acesso em 04.12.2020.

²Idem.