Integralização de capital social através de imóveis: imprescindibilidade do registro no cartório de imóveis para a transferência da propriedade

A constituição formal de uma sociedade empresarial depende de vários requisitos, entre eles a inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comercias, oportunidade em que a empresa também adquire personalidade jurídica própria, distinguindo-se assim de seus sócios, conforme arts. 985 c/c 1.150 do Código Civil. 

O instrumento de contrato social é o documento em que serão estabelecidas as diretrizes da empresa. Nele também devem constar informações essenciais, como a subscrição do capital social, que é o valor bruto inicialmente investido pelos sócios para que a empresa comece a funcionar, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária, nos termos inc. III do art. 997 do Código Civil.

Já a integralização é o ato pelo qual os sócios transferem para a empresa valores ou bens suficientes para compor a quantia descrita no contrato social, ou seja, os bens saem da esfera patrimonial dos sócios e passam a pertencer exclusivamente à pessoa jurídica, inclusive, a responsabilidade pela total integralização do capital social é solidária entre os sócios (art. 1.052 do CC).

Deste modo, é plenamente possível que a integralização do capital social ocorra por meio de imóveis indicados pelos sócios, de forma individualizada. Entretanto, conforme decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.743.088, o mero registro na Junta Comercial não opera a transferência de propriedade à sociedade empresarial (vide STJ, REsp n. 1.743.088/PR, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3.ª Turma, j. 12/03/2019).

Para ocorrer a transferência, deve o título translativo ser averbado no Cartório de Registro de Imóveis ao qual o imóvel está vinculado, nos termos do art. 1.245 do Código Civil. Deste modo, conforme confirmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, o registro perante a Junta Comercial referente a integralização de imóveis no capital social de determinada empresa não substitui a obrigatoriedade do registro na matrícula do imóvel.

Inclusive, nos termos do art. 64 da Lei 8.934/1994, que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis, o contrato social, devidamente registrado na Junta Comercial, é documento hábil a ser apresentado ao Cartório de Registro de Imóveis para a transferência da propriedade. Logo, seria incoerente qualquer outra conclusão referente a obrigatoriedade do registro do título translativo no cartório competente.

Portanto, ausente o registro no Cartório de Registro de Imóveis, o imóvel permanece na esfera patrimonial do proprietário originário, respondendo inclusive por eventuais dívidas deste, conforme art. 789 do Código de Processo Civil. Neste caso, a empresa em que se pretendia integralizar o imóvel não pode alegar qualquer coisa a seu favor.

Neste ponto, necessário fazer uma comparação com o contrato de compra e venda de imóvel.

No que tange à ausência de registro no Cartório de Registro de Imóveis, é pacifico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que a celebração de compromisso de compra e venda, ainda que não tenha sido levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente, constitui meio hábil a impossibilitar a constrição do bem imóvel (vide STJ, REsp n. 1.636.689/GO, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 13/12/2016; STJ, REsp n. 1.937.548/MT, Relator Ministro Moura Ribeiro, 3.ª  Turma, j. 19/10/2021), que deve ser alegado por meio de embargos de terceiro, conforme Súmula 84 do STJ.

O referido entendimento vai ao encontro do § 1.º, art. 674 do Código de Processo Civil, que autoriza a oposição de Embargos de Terceiro quando houver ameaça de constrição sobre bens que a parte possua ou sobre os quais tenha direitos, bem como o art. 678 do Código de Processo Civil, o qual prevê que ao ficar provado o domínio ou a posse dos bens pelo terceiro, serão suspensas as medidas constritivas sobre eles.

Ou seja, em que pese a ausência do registro no Cartório de Registro de Imóveis, o compromisso de compra e venda ou mesmo a escritura pública de compra e venda, além da demonstração do exercício da propriedade/posse e a boa-fé do adquirente ou promitente comprador, impossibilita que o bem responda por eventuais dívidas do transmitente ou promitente vendedor.

Embora a situação se assemelhe ao ato de integralização de imóvel na capital social registrado na Junta Comercial, mas não averbado no Cartório de Registro de Imóveis, a diferença está na proteção do terceiro adquirente de boa-fé, o que não se vislumbra no caso da integralização, já que o transmitente do imóvel é o próprio sócio da pessoa jurídica.

Inclusive, muito se utiliza da pessoa jurídica para organização ou mesmo blindagem patrimonial, tendo em vista a sua personalidade jurídica própria. Por isso, deve haver maior rigidez quanto ao cumprimento dos requisitos legais de transferência de propriedade, a fim de proteger os terceiros de boa-fé que negociam com a pessoa jurídica e também com seus sócios.