Da possibilidade de impugnação retardatária sob os ditames da reforma da Lei 11.101/2005

Conforme disposto na Lei 11.101/2005, os credores da empresa em recuperação judicial deverão habilitar o seu crédito no processo respectivo, encaminhando ao Administrador Judicial as suas habilitações de crédito (quando pretender inserir créditos) ou suas divergências de crédito (quando pretender discutir o valor ou a classificação dos créditos já inseridos pela própria empresa)[1].

Recebendo todas as habilitações e divergências, o Administrador Judicial terá o prazo de 45 dias para analisar os documentos encaminhados pelos credores e elaborar a sua relação de credores, podendo, neste momento, acatar ou alterar os créditos apontados tanto pela empresa quanto pelos credores, expondo, de maneira fundamentada, o embasamento que o levou àquela classificação e àqueles valores[2].

Caso haja inconformismo por parte dos credores, da empresa em recuperação judicial ou até mesmo do Ministério Público quanto à relação de credores elaborada pelo Administrador Judicial, aqueles poderão utilizar-se do procedimento denominado de impugnação à relação de credores, indicando crédito que não tenha sido relacionado ou questionando a classificação e o valor do crédito listado.

Até o ano de 2020, a Lei 11.101/2005 previa apenas a possibilidade de habilitação de crédito retardatária, em que, perdendo os prazos de habilitação de crédito e impugnação à relação de credores, poderia o credor, ainda assim, inserir o seu crédito no processo de recuperação judicial, respeitando as consequências previstas nos parágrafos do art. 10 da Lei 11.101/2005. Destaca-se que, por tratar-se de habilitação de crédito retardatária, o credor poderia apenas inserir os créditos que não haviam sido listados pela empresa ou pelo Administrador Judicial, ficando impossibilitado de questionar, por exemplo, a classificação ou legitimidade do crédito já inserido.

Contudo, com o advento da Lei 14.112/2020, que alterou e inseriu diversos artigos na Lei 11.101/2005, a impugnação retardatária restou prevista nos §§ 7.º e 8.º do art. 10[3]. Desta forma, o credor que, após o decurso do prazo de dez dias previsto no art. 8º da Lei 11.101/2005, pretender discutir o seu crédito, poderá fazê-lo através da impugnação de crédito retardatária.

Para a doutrina, essa reforma teve por propósito garantir a isonomia entre os credores, eis que não se pode admitir que o credor seja tratado de forma discriminatória em relação ao seu crédito, sob pena de desrespeito ao princípio constitucional da igualdade. Isto, pois, antes da reforma da Lei 11.101/2005 pela Lei 14.112/2020, o credor poderia, após o prazo previsto e, caso não relacionado, inserir o seu crédito via Habilitação Retardatária. Contudo aquele que teve o seu crédito relacionado de modo equivocado, não poderia se insurgir contra a relação, haja vista a inexistência, até então, de previsão de Impugnação Retardatária.

Por tratarem-se de hipóteses semelhantes, não se poderia admitir tratamento diverso, sob pena de, por exemplo, aquele crédito que foi arrolado por valor ínfimo não poder reclamar seu crédito, enquanto àquele não relacionado por qualquer valor era permitida a insurgência após o prazo. Nesse sentido entende Fábio Ulhoa Coelho:

“Por medida de isonomia, deve-se aplicar o disposto no artigo aqui comentado também para o caso de divergência. Em outros termos, não se pode rejeitar divergência retardatária, porque isso significaria tratar de forma diferente discriminatória o credor que foi incorretamente mencionada na relação e o omitido. Se admitida a declaração retardatária em favor desse último, não cabe negar-se a apresentação da divergência extemporânea em favor do primeiro. Não há fundamento para a discriminação. A interpretação do art. 10 da LRF, conforme a Constituição impõe, a partir do princípio constitucional da igualdade, a conclusão pela admissão da divergência retardatária”.[4]

Outrossim, é de se salientar que Marcelo Sacramone vai ao encontro do supra transcrito entendimento ao dispor, semelhantemente, que:

“O termo utilizado no caput do art. 10 deverá ser interpretado de modo a compreender tanto as habilitações, na hipótese em que o crédito não esteja incluído na lista de credores apresentada, como as divergências, na hipótese de ter sido incluído crédito inexiste, de diverso valor ou natureza jurídica. Isso porque, se o habilitando pode pretender a inclusão de crédito integralmente não incluído no procedimento, não se justifica o impedimento de que não pretender a correção incluído erroneamente.”[5]

Desta forma, tem-se que a reforma da Lei 11.101/2005 com o advento da Lei 14.112/2020, inserindo a possibilidade de impugnação retardatária, buscou proporcionar maior equidade aos credores que habilitam seus créditos tardiamente na recuperação judicial, possibilitando não só a inserção, mas também a discussão e eventual retirada de créditos no âmbito da recuperação judicial após o decurso do prazo de dez dias previsto no art. 8.º da Lei 11.101/2005, desde que esta impugnação retardatária ocorra previamente à homologação do  quadro-geral de credores.

 

 

 

[1] Art. 7.º, § 1.º da Lei 11.101/2005: “§ 1º Publicado o edital previsto no art. 52, § 1º, ou no parágrafo único do art. 99 desta Lei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados”

[2] Art. 7.º, § 2.º da Lei 11.101/2005: “§ 2º O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos na forma do caput e do § 1º deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1º deste artigo, devendo indicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8º desta Lei terão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação”

[3] “Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7º, § 1º, desta Lei, as habilitações de crédito serão recebidas como retardatárias. […] § 7.º O quadro-geral de credores será formado com o julgamento das impugnações tempestivas e com as habilitações e as impugnações retardatárias decididas até o momento da sua formação. § 8.º As habilitações e as impugnações retardatárias acarretarão a reserva do valor para a satisfação do crédito discutido. ”

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e Recuperação de Empresas.14. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 86.

[5] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p 129.