Cláusula de compra e venda forçada na resolução de impasses societários

A formação de sociedades empresariais, por vezes, é o único modo de iniciar um empreendimento, ou então, impulsioná-lo. No dia a dia empresarial, contudo, não são raros os casos em que a divergência de visões entre sócios configura impasses societários que demandam mecanismos capazes de harmonizar as intenções entre as partes e, então, garantir a sobrevivência da sociedade empresarial.

O impasse societário ocorre quando os sócios de uma sociedade empresária entram em desacordo sobre uma política fundamental da empresa e, esgotadas todas as vias de autocomposição, não conseguem solucioná-lo em razão da ausência de voto majoritário ou unanimidade, ou seja, em razão da impossibilidade de se atingir o quórum necessário para aprovar a deliberação.

A depender de suas proporções, o impasse pode ocasionar a paralisação da empresa, o que enseja soluções que contemplem eficiência e velocidade. Nestes casos, apesar de ser uma possibilidade buscar o Poder Judiciário, esta opção tende a ser morosa e, a depender da complexidade do caso, pouco especializada, razão pela qual a previsão contratual de meios para a resolução de impasses societários tem ganhado destaque ao oferecer mais celeridade e eficiência nestas situações.

Previsões contratuais para a resolução de impasses societários podem ser utilizadas tanto por acionistas de sociedades anônimas (de capital aberto ou fechado), como por sócios de sociedades limitadas, sendo aplicadas nas ocasiões em que os sócios não possuem, individualmente, o poder de controle sobre a sociedade empresária, momento em que precisam se associar com outros sócios para atingir a maioria dos votos nas deliberações sociais ou, ainda, para se fortalecerem perante o controlador.

Encontram-se entre as previsões contratuais para a resolução de impasses societários a cláusula de compra e venda forçada de participação societária, comumente mencionada pelo termo originado do inglês “buy or sell”, que estabelece que, caso configurado o impasse societário, os sócios se obrigam, de forma irretratável e irrevogável, a ceder sua participação societária a outro sócio, ou a aceitar a cessão da participação de outro sócio, mediante o pagamento de preço justo e determinado por critérios pré-estabelecidos.

Nos casos de sociedades limitadas com apenas dois sócios, em que cada um detém 50% das quotas sociais, por exemplo, forma-se um cenário muito mais propenso à configuração de impasses societários capazes de paralisar as atividades da empresa. Pactuada a cláusula de compra e venda forçada de participação societária, caso configurado o impasse entre sócios em razão de divergências intransponíveis entre eles, a cláusula poderia ser ativada pelas partes, assegurando a continuidade do negócio com maior estabilidade.

A cláusula em comento se classifica como espécie de contrato bilateral, oneroso e aleatório, no qual as partes constituem o direito potestativo de ativação da cláusula para iniciar o procedimento de determinação do preço da participação societária, bem como da posição que cada um dos sócios ocupará no futuro contrato de compra e venda. Tratam-se, portanto, de dois contratos distintos e coligados: o contrato de buy or sell e o contrato de compra e venda.

A cláusula admite variações, nas quais as condições de ativação e o procedimento de fixação de preço da participação societária se diferenciam, destacando-se entre elas as modalidades nomeadas, em inglês, como “roussian roulette” e “texas shoot-out”.

Na modalidade intitulada “russian roulette”, no momento em que a cláusula é ativada por um dos sócios, o sócio que recebe a proposta pode optar por vender sua participação nos termos e condições fixados pelo sócio proponente ou, então, adquirir a participação do proponente pelo mesmo valor e circunstância propostos.

Já na modalidade “texas shoot-out”, ativada a cláusula, os sócios devem trocar envelopes lacrados com o valor que estão dispostos a pagar para a aquisição da participação societária em negociação. O sócio que apresentar a proposta mais alta adquire a participação do outro pelo valor de sua oferta, garantindo que o sócio que enxerga mais valor na empresa possua o seu controle.

Cumprido o procedimento escolhido, de acordo com a modalidade adotada, formalizam-se os termos definidos no futuro contrato de compra e venda, solucionando o impasse societário.

A previsão contratual da cláusula de buy or sell e sua ativação sujeitam-se às disposições do Código Civil e, portanto, balizam-se na equidade entre sócios, de modo que nos casos em que a estruturação da sociedade empresária não promove a paridade informacional, financeira e de administração entre os sócios, sua utilização pode gerar riscos. Ou seja, a utilização da cláusula deve observar as balizas impostas à autonomia de vontade pelo ordenamento jurídico brasileiro, resguardado a equidade entre os sócios, para que o seu uso não seja pautado em abusos e ilicitudes.

Percebe-se, portanto, a importância de que os sócios se antecipem aos eventuais impasses societários e estabeleçam mecanismos contratuais para a sua resolução, seja pela cláusula de compra e venda forçada de participação societária aqui tratada, seja no estatuto social, seja no acordo de sócios, a fim de assegurar maior estabilidade no desenvolvimento empresarial de seus negócios.

REFERÊNCIAS

MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula de buy or sell na perspectiva do direito das obrigações. In VENANCIO FILHO, Alberto; LOBO, Carlos Augusto Silveira (org.). Lei das S.A. em seus 40 anos. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 539.

FERREIRA, Mariana Martins-Costa. Buy or Sell e Opções de Compra e Venda para Resolução de Impasse Societário. 1ª Edição. São Paulo. Quartier Latin do Brasil, 2018, p. 107.

TOMITA, Fernanda Cabral. A CLÁUSULA DE COMPRA E VENDA FORÇADA DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA EM ACORDOS DE SÓCIOS NO BRASIL. Direito, Negócios & Sociedade: DIREITO, NEGÓCIOS & SOCIEDADE, Santo André, n. 1, p. 19-30, 2021.