Caso Ana Hickmann: A (im)possibilidade de afastar a partilha de bens em casos de divórcio por violência doméstica

O recente caso midiático da apresentadora de televisão e ex-modelo Ana Hickmann tem reacendido a discussão acerca da divisão de bens em hipóteses de divórcio judicial decorrente de agressão física. 

Semelhantemente aos fatos denunciados pela apresentadora[1] (ainda a serem apurados na esfera criminal), muitas mulheres buscam, na separação, uma tentativa de elidir episódios de violência doméstica. Para tais hipóteses, o questionamento usualmente levantado por elas é o de como se procederá a partilha de bens.

Pois bem. Para responder adequadamente à tal indagação, necessário se faz, primeiramente, conhecer o regime de casamento ao qual o casal está submetido. Isto porque o procedimento de partilha obedece às regras do regime escolhido pelos nubentes à época do casamento, independentemente de haver, ou não, violência doméstica.

Não obstante ter havido um Projeto de Lei em 2020 (PL 4.467/2020), proposto pela senadora Rose de Freitas, com o intento de salvaguardar direitos patrimoniais do cônjuge agredido, por meio da modificação a redação dos arts. 1.581 e 1.708 do CC, este não prosperou.

O texto visava à alteração do artigo 1.581 do Código Civil, no sentido de determinar a perda do direito à meação dos bens adquiridos pelo casal durante a união (casamento ou união estável), após sentença condenatória transitada em julgado que reconhecesse violência doméstica e familiar contra o cônjuge ou o companheiro. Buscava, ainda, por meio da alteração do art. 1.708 do Código Civil, cessar o direito a alimentos do credor, quando este fosse o agressor em violência doméstica, e se tivesse procedimento indigno em relação ao devedor. Contudo, conforme mencionado, o projeto não prosperou e, atualmente, encontra-se arquivado.[2]

Com a não aprovação do supra descrito projeto de lei, a partilha de bens em divórcios envolvendo casos de violência doméstica continua respeitando as regras ditadas pelo regime de bens escolhido pelo casal à época do casamento ou do início da união estável.

Assim, a partilha seguirá o descrito no Código Civil, em seu artigo 1.658 e seguintes, respeitando as regras específicas de cada regime. A grosso modo, se estivermos diante de regime de comunhão total de bens, conforme se tem noticiado a respeito do caso Ana Hickmann[3], o cônjuge agressor, em um eventual divórcio, terá direito à metade dos bens amealhados durante a constância do casamento e também daqueles bens particulares adquiridos em momento anterior ao início da relação (conforme regra prescrita no art. 1.667 do CC), ressalvadas as exceções do art. 1.668 do CC.

Para o cônjuge agredido, no entanto, uma possível alternativa de reparação dos danos causados pelas agressões é buscar uma indenização por responsabilidade civil, que não guarda correlação com a partilha. Malgrado não seja possível o retorno ao status quo ante da vítima, os danos podem ser compensados ou indenizados pelo agressor de forma pecuniária, em uma indenização por danos morais, por exemplo.

Portanto, o que ocorre é que os atos de agressão perpetrados no ambiente doméstico não têm o condão de afastar ou interferir na partilha dos bens do casal em hipóteses de divórcio. Isto é, embora há pouco tempo tenha havido uma tentativa de modificação, ainda não há previsão legal que afaste o cônjuge agressor do seu direito de meação na partilha dos bens.

Casos como o de Ana Hickmann, contudo, que geram comoção social e grande repercussão midiática podem ser “agentes propulsores” para que sobrevenha projeto de lei que busque alguma modificação no cenário atual. No entanto, somente o tempo poderá dizer se efetivamente haverá mudança.

 


[1] DOMINGO ESPETACULAR. Exclusivo: Ana Hickmann desabafa pela primeira vez após ser agredida pelo marido. Disponível em < https://www.mundoconectado.com.br/tutorial/normas-da-abnt-como-citar-e-referenciar-videos-do-youtube-em-trabalhos-academicos/>. Acesso em 27 de novembro de 2023.

[2]BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 4.467 de 03 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para impedir a prestação de alimentos ou a partilha de bens adquiridos na constância do casamento ou da união estável, em favor do cônjuge ou companheiro agressor. Brasília: Senado Federal, 2020. Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/144533>. Acesso em: 24 nov. 2023.

[3]REIS, Antilia. Como ficam os bens e as dívidas de Ana Hickmann com a separação? Advogada explica. UOL. Disponível em: <https://natelinha.uol.com.br/colunas/coluna-especial/2023/11/23/como-ficam-os-bens-e-as-dividas-de-ana-hickmann-com-a-separacao-advogada-explica-204224.php>. Acesso em 23 nov. 2023.