Ata notarial como meio probatório e certificação digital da prova: da antiguidade à pós-modernidade

Apesar de a ata notarial ter sido inserida recentemente na legislação pátria, historicamente, a função notarial é utilizada desde as sociedades antigas. A origem do notariado nos remete ao escriba egípcio. Tal funcionário tinha como atividade a redação de atos jurídicos, principalmente para o monarca da época, embora estes atos não gozassem de fé pública.[1]

Avançando na linha temporal, destacam-se os tabeliones em Roma durante o período Justiniano. Estes empregados do Estado tinham por função a lavratura de contratos, testamentos e convênios, mediante o requerimento de particulares. Neste diapasão, percebe-se um avanço no sentido da intervenção do notariado no âmbito privado com a finalidade de redação e conservação documental.[2]

A doutrina afirma que a primeira ata notarial, propriamente dita, foi lavrada por Rodrigo de Escobedo, tabelião a serviço da Coroa Espanhola na viagem de Cristovão Colombo às Américas. O respectivo documento teria sido lavrado para constatar a descoberta do novo continente.[3]

Em solo brasileiro, a famosa carta de Pero Vaz de Caminha é apontada como a primeira ata notarial, mas há questionamento por parte da doutrina pelo fato deste ser um escrivão e não um tabelião. Contudo, discussão doutrinária à parte, é possível se dizer que a “certidão de nascimento” do Brasil é uma ata notarial.[4]

Em aspectos conceituais, a ata notarial é a comprovação escrita e com fé pública de fatos presenciados por um notário, para fins de preservação da memória autêntica do como, quando e de que forma tais fatos ocorreram.[5]

A análise desse conceito demonstra que não há declaração de vontades neste documento, mas sim a mera constatação de fatos que realmente ocorreram, atestados por fé pública, o que gera uma presunção relativa da veracidade das informações constadas neste documento.

Assim, percebe-se neste instrumento uma aptidão para produção de provas de forma célere e segura, sem que seja preciso, necessariamente, o ajuizamento de uma ação específica para esta demanda, como é o caso de uma produção antecipada de provas.

A utilidade proporcionada pela ata notarial ganha relevância em razão do aumento da busca por soluções extrajudiciais no meio jurídico, tendo em vista a nítida morosidade do judiciário causada pelo excessivo número de demandas.

O reflexo disso é uma maior atenção do legislador para este instrumento. Além do tratamento outorgado por legislações especiais, como é o caso da Lei n.º 8.935/94, que regula os serviços notariais, verifica-se no sistema processual-cível brasileiro um importante avanço, isto porque o Código de Processo Civil de 2015, de forma inovadora, passou a tipificar a ata notarial como meio de prova, conforme dispõe o artigo 384[6].

Tal previsão expressa, pelo ordenamento processualista, aumentou o prestígio do instrumento e, por consequência, promoveu uma maior utilização desta ferramenta para fins probatórios no processo judicial, gerando um maior volume de atas notariais apresentadas em juízo com fins probatórios.

O resultado dessa relação dialética é o aumento de julgados em que a ata notarial é mencionada como meio de prova. O Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, reformou uma sentença de improcedência num caso de perturbação de sossego, utilizando como fundamento uma ata notarial que atesta a existência de ruídos acima do normal por um canil vizinho do autor.[7]

Outro caso em que se verifica a utilização do instrumento probatório ocorreu no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Trata-se de um recurso de apelação em mandado de segurança, no qual os julgadores mantiveram a sentença de procedência em um caso de nomeação em concurso público. Nesta ação mandamental, a autora utilizou a ata notarial para certificar seu registro no Conselho Federal de Odontologia como forma de viabilizar sua nomeação.[8]

Tais exemplares coligidos da jurisprudência nacional, demonstram a amplitude de discussões em que a ata notarial pode ser útil, bem como a agilidade na prestação de um provimento jurisdicional proporcionado por ela, haja vista a possibilidade de pré-constituição da prova, algo imprescindível num mandado de segurança, em que o direito necessita ser líquido e certo.

Não obstante, apesar das qualidades narradas a respeito da ata notarial, esta possui um custo significativo que pode obstar o acesso à justiça por alguns litigantes.

Diante disso, uma alternativa que se apresenta com a introdução da tecnologia ao direito é a certificação digital da prova. Apesar de sua recente aplicação ainda não dar completa segurança quanto à sua valoração judicial, trata-se de uma prova documental produzida em meio eletrônico que atesta a segurança e validade do conteúdo captado. A captação ocorre em ambiente digital antifraude e é acompanhada por laudo técnico para verificação de autenticidade, tornando a confiabilidade documental significativamente maior do que meros prints.

Desta maneira, tem-se que, nem a atividade notarial, tampouco a ata notarial em si, são institutos tão novos, sobretudo considerando a utilização daquela pelas mais tradicionais civilizações da antiguidade, assim como a participação dessa na descoberta do Brasil. Porém, a utilização deste instrumento como meio probatório processual, é novo, sendo que, somente no Código de Processo Civil de 2015, a ata notarial passa a constar como meio de prova típico.

Tal fenômeno decorre, principalmente, da possibilidade de produção de uma prova extrajudicial de forma célere e com segurança jurídica, haja vista a existência de fé pública. O reflexo disso é o aumento de casos na jurisprudência em que a ata notarial é utilizada como prova.

A questão do custo ainda é um ponto a ser debatido, sendo a tecnologia da certificação digital uma alternativa que desponta para partes hipossuficientes que não são capazes de arcar com o custo da elaboração de uma ata notarial.



[1]BRANDELLI. Leonardo. Atas notariais. Disponível em: <http://fm.cartorios.net/plugins/filemanager/files/1jundiai/artigos/Atas_Notariais.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2023

[2]BRANDELLI. Leonardo. Atas notariais. Disponível em: <http://fm.cartorios.net/plugins/filemanager/files/1jundiai/artigos/Atas_Notariais.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2023

[3]ANDRADE. Eloberg Bezerra. Ata notarial como meio de prova no código de processo civil de 2015. Revista Juris UniToledo, Araçatuba, SP, v. 02, n. 04, 33-54, out./dez. 2017. Acesso em: 29 jun. 2023.

[4]BRANDELLI. Leonardo. Atas notariais. Disponível em: <http://fm.cartorios.net/plugins/filemanager/files/1jundiai/artigos/Atas_Notariais.pdf>. Acesso em: 29 jun. 2023

[5]NERY JR. Nelson. Código de processo civil comentado. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 1.012. Acesso em: 29 jun. 2023.

[6]BRASIL. Lei n. 13.105. de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: Acesso em: 29 jun. 2023.

[7]PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. 1ª Turma Recursal - 0015103-40.2017.8.16.0031 - Guarapuava - Rel.: Juiz Nestario da Silva Queiroz – Recurso Inominado. Obrigação de fazer. Perturbação de sossego. Existência de ata notarial. J. 08.05.2020. https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudência/j/4100000008476651/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-0015103- 40.2017.8.16.0031#. Acesso em: 29 jun. 2023.

[8] Disponível em: http://www.atanotarial.org.br/jurisprudencia.asp?Id=18&Secao=Jur2. Acesso em: 29 jun. 2023.