Aspectos gerais sobre o negócio jurídico simulado: possibilidade de discussão no bojo da execução

No Código Civil de 1916 a simulação do negócio jurídico era prevista no Capítulo II, intitulado “Dos defeitos dos atos jurídicos” (arts. 102 a 105) e era causa de anulabilidade do ato jurídico (art. 147, inc. II). Já no Código Civil de 2002 a simulação foi deslocada para o Capítulo V, intitulado “Da invalidade do negócio jurídico”, sendo hipótese de nulidade, nos termos do art. 166, inc. II.

A simulação é vício que corrompe o negócio jurídico, uma vez que as partes declaram uma vontade diversa daquela realmente pretendida com o objetivo de enganar terceiros e fraudar a lei. Conforme o entendimento do doutrinador Sílvio de Salvo Venosa: “as partes não pretendem originalmente o negócio que se mostra à vista de todos; objetivam só produzir aparência. Trata-se de declaração enganosa da verdade.” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 18.ed. São Paulo: Atlas, v. 1. 2018, pg. 551).

A simulação pode ser absoluta ou relativa. Na simulação absoluta as partes querem que o negócio não produza efeitos, fingem uma relação jurídica inexistente. Já na simulação relativa, existem dois negócios jurídicos: o simulado e o dissimulado. O negócio simulado é aquele exteriorizado, visto por todos, enquanto o dissimulado é o negócio escondido, aquele almejado internamente pelas partes.

O negócio jurídico simulado é nulo, porém o negócio jurídico dissimulado poderá subsistir se for válido na substância e na forma, nos termos do caput do art. 167 do Código Civil (vide enunciado n. 153 da III Jornada de Direito Civil e Enunciado n. 293 da IV Jornada de Direito Civil, ambos do Conselho da Justiça Federal).

Importa destacar ainda que, nos termos do art. 168, parágrafo único, do Código Civil, não é permitido ao juiz suprir a nulidade, ainda que haja expresso requerimento das partes. Além disso, de acordo com o art. 169 do mesmo diploma legal, o negócio jurídico nulo é insuscetível de confirmação, não sendo permitido ao julgador suprimir a nulidade, ainda que haja expresso requerimento das partes.

Da interpretação de tais dispositivos legais o e. Superior Tribunal de Justiça já decidiu em diversas ocasiões que o negócio jurídico nulo por simulação não se submete aos prazos decadenciais e prescricionais, pois é insuscetível de confirmação (vide STJ, AgInt n. 1702805/DF, Relator Ministro Raul Araújo, 4.ª Turma, j. 25/03/2020 e STJ, AgInt no REsp n. 1.388.527/MT, Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, 3.ª Turma, j. 13/12/2021).

Entretanto, nos contratos celebrados na vigência do Código Civil de 1916, o prazo prescricional para a alegação da anulabilidade do negócio jurídico simulado é de quatro anos contados do dia em que se realizou o ato ou o contrato (art. 178, § 9.º, inc. V, b) em função do princípio tempus regit actum, que disciplina que aos fatos se aplica a lei vigente à época de sua ocorrência.

Em razão da gravidade do vício que, à luz do Código Civil de 2002, acarreta a nulidade absoluta, e não mais anulabilidade do negócio jurídico, como era no Código Civil de 1916, o Superior Tribunal de Justiça admite o reconhecimento da simulação incidentalmente aos processos já em tramite, inclusive nas execuções, independentemente de ação autônoma (vide STJ REsp 1582388/PE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1.ª Turma, j. 03/12/2019).

Dessa maneira, o credor prejudicado poderá se manifestar nos autos de execução já em trâmite juntando as provas que demonstram a simulação do negócio jurídico realizado entre o devedor e terceiros. Nessa perspectiva, o credor do simulador mantém certa garantia patrimonial sobre o bem objeto do negócio jurídico simulado, podendo requerer, nesta hipótese, o arresto cautelar, se preenchidos os requisitos do art. 300 do CPC.

Em que pese o entendimento da egrégia Corte Superior sobre o tema, não raras vezes encontram-se decisões nos tribunais estaduais não permitindo ao credor suscitar o vício de simulação no bojo do feito executivo (vide TJSP, Agravo de Instrumento n. 2192858-92.2021.8.26.0000, Relator Paulo Alcides, 21.ª Câmara de Direito Privado; j. 22/08/2022 e TJPR, Agravo de Instrumento n. 0039553-04.2021.8.16.0000, 14.ª Câmara Cível, Relator Desembargador João Antônio de Marchi, j. 11/04/2022).

Não restam dúvidas, portanto, quanto à possibilidade dos juízes reconheceram a simulação de um negócio jurídico em uma ação já em tramite, sendo desnecessário o ajuizamento de ação autônoma, tendo em vista que a gravidade do vício é cognoscível a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Ressalta-se, por fim, que os princípios do contraditório e da ampla defesa estão preservados em relação a terceiros não integrantes da lide, haja vista a possibilidade de intimação para oporem embargos de terceiros, conforme permite o art. 675, parágrafo único, do Código de Processo Civil.