Alterações na contagem de prazos processuais em recuperações e falências após as mudanças da Lei n. 14.112/2020. Dias corridos ou úteis?

Quando o assunto é a contagem de prazos processuais em recuperações e falências, diversas inseguranças surgem para os advogados que atuam na área, seja porque a jurisprudência a respeito da temática não é uníssona, ou ainda, porque a intepretação dos dispositivos legais condizentes gera interpretações dúbias.

Vale lembrar que essas dúvidas surgiram junto com a vigência do CPC/2015, que prevê, no art. 219, caput e parágrafo único, que os prazos processuais serão contabilizados em dias úteis. Todavia, a Lei de Recuperações e Falências (Lei n. 11.101/2005) não trazia determinações assertivas sobre a contagem de prazos processuais em dias úteis e/ou corridos[1].

Esperava-se que o legislador fosse sanar as incertezas acerca da contagem de prazos processuais em recuperações e falências após a reforma da Lei n. 11.101/2005 pela Lei n. 14.112/2020. Contudo, a redação do dispositivo escolhido para, supostamente, dirimir a controvérsia, trouxe ainda mais insegurança sobre a temática, como se confere da íntegra do art. 189, caput e § 1.º, inciso I:

“Art. 189. Aplica-se, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei, o disposto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), desde que não seja incompatível com os princípios desta Lei.

1º Para os fins do disposto nesta Lei:

I – todos os prazos nela previstos ou que dela decorram serão contados em dias corridos;”

Com a redação do dispositivo acima mencionado, ao menos duas possibilidades diversas de contagem de prazos surgiram, quais sejam: (i) contabilizar todos os prazos em dias corridos; (ii) contabilizar os prazos explicitamente contidos na Lei de Recuperações e Falências em dias corridos, mas os prazos de recursos e manifestações também contidos no CPC ou não previstos em diplomas próprios em dias úteis.

Dessa forma, passados alguns meses da vigência dos dispositivos reformados pela Lei n. 14.112/2020, foi possível verificar como os tribunais têm se posicionado sobre a matéria.

Enquanto o TJSP[2] defende a tempestividade de recursos interpostos se o prazo for contabilizado em dias úteis, o TJPR[3] reconhece que sejam contabilizados em dias corridos os prazos de suspensão de ações e execuções movidas contra devedores em recuperação judicial, por serem de natureza material, o que afastaria a incidência do CPC. Já o TJSC[4], a seu turno, adota posicionamento parecido com o do TJSP.

Como se vê, além de a redação do art. 189 da Lei n. 14.112/2020 não ser esclarecedora, também não há consenso entre os tribunais estaduais. Dessa forma, foi necessário instar o STJ sobre a temática, uma vez que a Corte ainda não tem entendimento sumulado sobre a questão.

Em recente julgado da Quarta Turma do STJ, relatado pelo i. Min. Marco Buzzi[5], a Corte entendeu que, por ser regulamentado em diploma diverso do microssistema que compõe o processo recuperacional e falimentar, os prazos recursais desses casos devem observar o disposto no CPC/2015, ou seja, a contagem em dias úteis.

No entanto, ainda não foi possível verificar se as outras Turmas do STJ têm o mesmo entendimento, porquanto não identificados julgados que abordem a controvérsia (ao menos até a publicação do presente artigo), fato que também não encerra as inseguranças enfrentadas pelos operadores da lei.

Por isso, até que a celeuma seja pacificada pelos tribunais pátrios, a postura que parece ser mais cuidadosa ao se deparar com a contagem de prazos em processos de cunho recuperacional e falimentar é contabilizar todos os prazos (tanto os de caráter material, quanto os de caráter processual) em dias corridos, exceto se houver manifesta disposição em contrário nos autos.

 

[1] Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.

[2] “Contraminuta – Preliminar de inadmissibilidade por intempestividade – Rejeição – Contagem do prazo para interposição realizada em dias úteis (Lei nº 11.101/2005, art. 189, “caput” e par. ún.; CPC, art. 1.003, § 5º, c.c. 219) – Tempestividade configurada – Recurso conhecido. Agravo de instrumento – Recuperação judicial – Habilitação de crédito – […]”.   (TJSP, Agravo de Instrumento 2093946-60.2021.8.26.0000; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Franca – 4ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 20/10/2021; Data de Registro: 20/10/2021).

[3] “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DECISÃO AGRAVADA QUE RECONHECEU A ESSENCIALIDADE DE BENS QUE FIGURAM COMO GARANTIA FIDUCIÁRIA DOS CONTRATOS FIRMADOS COM A AGRAVANTE E DETERMINOU QUE A CONTAGEM DE PRAZO DE SUSPENSÃO DE AÇÕES E EXECUÇÕES EM FACE DO DEVEDOR E PARA A APRESENTAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO FOSSE EM DIAS ÚTEIS. DECISÃO AGRAVADA PARCIALMENTE RETIFICADA PARA DETERMINAR QUE A CONTAGEM SE DÊ EM DIAS CORRIDOS. […]”. (TJPR, 18ª C.Cível – 0025651-18.2020.8.16.0000 – Maringá –  Rel.: DESEMBARGADOR MARCELO GOBBO DALLA DEA –  J. 26.10.2020).

[4] “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. […]. ALEGADA INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO, PORQUANTO INTERPOSTO APÓS O PRAZO QUINZENAL, A CONTAR, SEGUNDO AS RECORRIDAS, EM DIAS CORRIDOS, NOS TERMOS DO ARTIGO 189, § 1º, INCISO I, DA LEI N. 11.101/2005, INCLUÍDO PELA LEI N. 14.112 DE 2020. IMPROCEDÊNCIA. FORMA DE CONTAGEM INSCULPIDA NO DISPOSITIVO EM VOGA ADSTRITA AOS PRAZOS DE NATUREZA MATERIAL. PRAZOS DE CUNHO PROCESSUAL, ENTRE OS QUAIS AQUELES PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS, QUE SEGUEM SENDO CONTADOS EM DIAS ÚTEIS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO ÂMBITO DAS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS. DICÇÃO DO ART. 189, CAPUT, DA LRJ. RECURSO TEMPESTIVO. […]”. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5021851-35.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 02-09-2021).

[5] “[…] Na medida em que regulamentado em diploma normativo diverso do microssistema que compõe o processo recuperacional e falimentar, os prazos processuais para interposição de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias nos processos de recuperação judicial e de falência devem observar os ditames da Legislação Processual Civil, sendo computados, por conseguinte, em dias úteis, nos termos do art. 269, do CPC/15. 2. Agravo interno desprovido”. (STJ. AgInt no REsp 1937868/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27/09/2021, DJe 01/10/2021).