A responsabilidade das companhias aéreas e os direitos dos passageiros em casos de atraso e cancelamento de voos, interrupção de serviços e preterição

Infelizmente, situações muito comuns envolvendo o transporte de passageiros aéreos são o atraso e o cancelamento de voos. Não raras vezes, são encontrados passageiros reunidos em volta de funcionários de companhias aéreas nos saguões de aeroportos, pleiteando maiores informações e suporte, porém sem respostas a contento.

Sabe-se que, excepcionalmente, imprevistos podem acontecer. Contudo, mesmo diante disso, quais são as obrigações das companhias aéreas e os direitos dos passageiros?

Para regulamentar este assunto, a ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil emitiu a Resolução nº 400, de 13 de dezembro de 2016.

Segundo os termos do art. 20 da Resolução, cabe ao transportador informar imediatamente ao passageiro pelos meios de comunicação disponíveis o cancelamento do voo, a interrupção do serviço ou que o voo irá atrasar em relação ao horário originalmente contratado, indicando a nova previsão do horário de partida, bem como as providências que serão tomadas.

Além disso, o transportador deve manter o passageiro informado, no máximo, a cada 30 minutos quanto à previsão do novo horário de partida do voo nos casos de atraso.

Igualmente, o transportador deverá oferecer assistência material consistente: na facilidade de comunicação para o atraso superior a uma hora; alimentação, de acordo com o horário, por meio do fornecimento de refeição ou de voucher individual, para o superior de a duas horas; e serviço de hospedagem, em caso de pernoite, e traslado de ida e volta, gratuitos, para o superior quatro horas.

Independentemente disso, caso a impossibilidade de embarque ocorra em razão de preterição (comumente conhecido como overbooking, que é venda de acentos em quantidade superior à capacidade da aeronave), o transportador deverá efetuar, imediatamente, o pagamento de compensação financeira ao passageiro no valor de 250 DES - Direito Especial de Saque, no caso de voo doméstico; e 500 DES, no caso de voo internacional, o que equivale, atualmente, a aproximadamente R$ 1.800,00 e R$ 3.600,00, respectivamente.

Nas situações em que o atraso de voo superar quatro horas em relação ao horário originalmente contratado, ter havido a perda de voo subsequente pelo passageiro, nos voos com conexão, causada pelo transportador, houver o cancelamento de voo ou interrupção do serviço, ou a preterição de passageiro, o transportador deverá oferecer as alternativas de reacomodação, reembolso e execução do serviço por outra modalidade de transporte, a critério do passageiro.

Neste caso, o passageiro pode escolher entre: o recebimento da reacomodação em voo próprio ou de terceiro para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em voo próprio do transportador a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; ou o recebimento de reembolso do valor total da passagem aérea, consistente no valor dos serviços de transporte aéreo,  tarifas aeroportuárias e valores devidos a entes governamentais pagos pelo adquirente da passagem aérea e arrecadados por intermédio do transportador, em até 7 (sete) dias,  a contar da data da solicitação pelo passageiro, salvo se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro, hipótese em que haverá o reembolso proporcional ao trecho não utilizado. Caso a solicitação de reembolso seja realizada em aeroporto de escala ou conexão, é assegurado retorno gratuito ao aeroporto de origem.

Um detalhe importante é que o cumprimento de todas as obrigações previstas na Resolução nº 400 da ANAC pela transportadora não a exime de ter de indenizar o passageiro por eventual dano moral sofrido, embora isso influencie diretamente no valor da condenação.

Igualmente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (conforme pode se extrair das decisões proferidas nos seguintes julgamentos: AgInt no AREsp n. 1.520.449/SP, julgado em 19/10/2020; AgInt no AREsp n. 1.570.877/SP, julgado em 29/6/2020; REsp 1796716/MG, julgado em 27/08/2019; e AgRg no REsp 1269246/RS, julgado em 20/05/2014) é de que o dano moral não pode ser presumido – in re ipsa - em decorrência da mera demora e eventual desconforto, aflição e transtornos suportados  pelo passageiro, devendo haver a consideração de outros fatores a fim de que se possa investigar acerca da real ocorrência do dano moral, exigindo-se, a prova, por parte do passageiro, da lesão extrapatrimonial sofrida.

Apesar deste entendimento, em análise de julgados, verificou-se haver decisões preferidas por diversos Tribunais de Justiça condenando as companhias aéreas ao pagamento de indenização por danos morais, a despeito da não comprovação de lesão extrapatrimonial sofrida. Há decisões dos Tribunais de Justiça do Paraná, do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro, inclusive, consignando expressamente que os danos prescindem de prova do efetivo prejuízo, porquanto intuitiva ofensa à dignidade humana. É o caso, a título de ilustração, das decisões proferidas nos julgamentos dos recursos 0057732-41.2021.8.16.0014, em 17.10.2022 pelo TJPR, 1079092-06.2020.8.26.0100 e 1015771-30.2019.8.26.0068, em 03/05/2021 e 23/10/2020, respectivamente, pelo TJSP, e 0010699-79.2018.8.19.0207, aos 13/10/2022 pelo TJRJ.

Tanto nos casos em que se fala em dano moral in re ipsa, quanto naqueles em que se exigiu a comprovação concreta do abalo extrapatrimonial, observou-se, da análise de julgados dos Tribunais pátrios, que o valor médio das indenizações foi de R$ 5.000,00 por passageiro, independentemente do tempo de espera, desde que seja superior a quatro horas e não exceda muito a 24 horas.

Ademais, salvo em situações excepcionais, em que outros fatores agravaram a situação, como por exemplo, o de tratamento vexatório, extravio de bagagem, o cumprimento total ou parcial das obrigações constantes na Resolução nº 400 da ANAC não influenciou de maneira determinante no quantum fixados a título de reparação de danos.

Houveram casos, entretanto, como por exemplo da decisão proferida no julgamento da Apelação Cível 1004694-88.2019.8.26.0079, do TJSP, julgada em 10/06/2021, que o valor da condenação foi de R$ 20.000,00, em razão de no caso concreto ter a passageira perdido a prova de concurso público a que estava se preparando há anos. Igualmente, na decisão proferida no julgamento do recurso inominado nº 0008059-60.2021.8.16.0182, do TJPR, houve a condenação no valor de R$ 10.000,00, uma vez que, em razão do atraso do voo de conexão, a passageira ficou privada de comparecer ao velório e sepultamento de sua genitora, além de ter a sua bagagem temporariamente extraviada. Da mesma forma, no julgamento do recurso 03069574520158240075, do TJSC, fixou-se o valor total de R$ 40.000,00, sendo R$ 10.000,00 por passageiro – pai, mãe e duas crianças –, porquanto, além do 36 horas, houve problemáticas na decolagem e aterrissagem do voo e a chegada ocorreu nas vésperas do feriado natalino. Isso demonstra que o fator que realmente tem influenciado quando da fixação da indenização é a comprovação da importância do compromisso perdido e o abalo dele decorrente.

Vale destacar que, ainda que se trate de voo internacional, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmando quando do julgamento do Recurso Extraordinário, em repercussão geral, nº 646.331/RJ - Tema 210/STF, é de que a Convenção de Montreal não é aplicável, uma vez que não há regulamentação específica de danos morais, mas apenas materiais, atraindo, assim, a aplicação da lei geral, normalmente, o Código de Defesa do Consumidor.

Por fim, é entendimento pacífico de que o cancelamento ou atraso em razão de manutenção na aeronave, sobrecarga da malha aérea, más condições climáticas, e até mesmo sucção de pássaros pela turbina do avião não afasta a responsabilidade da empresa, em razão de se tratar fortuito interno, integrante do risco do negócio (conforme entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do REsp n.º 401.397/SP, de 27/06/2002).

Veículado:  https://www.conjur.com.br/2022-nov-02/oliveira-filho-responsabilidade-companhias-aereas