A “contratualização” das relações familiares: os negócios jurídicos do Direito de Família

por Mariana Barsaglia Pimentel  [1]

Em razão da alta incidência de normas denominadas como “de ordem pública”, o Direito de Família parece ser um campo limitado para o exercício da autonomia privada, restringindo o poder dos membros familiares de autorregularem seus interesses.

Esta visão, contudo, tem sido revista na contemporaneidade.

Atualmente, “uma das principais questões que protagoniza a arena política-jurídica mundial [...] é a garantia da liberdade individual para proteger o livre desenvolvimento da personalidade, principalmente em respeito às escolhas pessoais no âmbito das relações familiares”.  [2]

Isso significa que no campo do Direito de Família é possível que as partes tenham maior liberdade para deliberar acerca de aspectos patrimoniais e existenciais da vida familiar. Para viabilizar a autorregulação dos interesses das partes nesta seara, alguns instrumentos negociais podem ser utilizados, tais como o pacto antenupcial, o pacto de convivência e o contrato de namoro.

Por intermédio de negócios jurídicos, abrem-se “espaços de construção da normativa própria de cada família, segundo as aspirações de seus membros".  [3]

O pacto antenupcial, por exemplo, é o instrumento utilizado para eleição de regime de bens que seja diverso do regime da comunhão parcial de bens (regime legal ou supletivo). Contudo, os nubentes podem utilizar o negócio jurídico para regulamentar outras questões patrimoniais e existenciais da relação conjugal, como: a) a possibilidade de viverem em residências separadas; b) a escolha de métodos autocompositivos em caso de eventual divórcio; c) os eventuais valores devidos a título de alimentos; d) a administração e futura (e eventual) divisão dos bens que compõem o acervo do casal.  [4]

Ainda dentro das possibilidades do exercício da autonomia privada no Direito de Família, encontra-se o denominado contrato de namoro, conceituado por Marília Pedroso Xavier como “uma espécie de negócio jurídico no qual as partes que estão tendo um relacionamento afetivo acordam consensualmente que não há entre elas objetivo de constituir família”.  [5]

Em termos práticos, o contrato de namoro tem como finalidade anular os desdobramentos da união estável como, por exemplo, a divisão patrimonial dos bens adquiridos na constância do relacionamento em caso de rompimento do vínculo.

O Direito de Família, dinâmico como é, acompanha as necessidades que surgem no âmbito da sociedade e, nestes termos, abre espaço para o exercício de liberdades pelos membros de cada família, através de negócios jurídicos que são próprios do Direito de Família.






 

[1]   Advogada. Doutoranda e mestra em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).


[2]   MULTEDO, Renata Vilela. Liberdade e família: uma proposta para a privatização das relações conjugais e convivenciais. R. Fórum de Dir. Civ. – RFDC. Belo Horizonte, ano 9, n. 23, p. 219-241, jan./abr. 2020. p. 221.


[3]   TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; MORAES, Maria Celina Bodin de. Contratos no ambiente familiar. In: TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. Contratos, Família e Sucessões: Diálogos interdisciplinares. Indaiatuba: Editora Foco, 2019. p. 1-18. p. 3.


[4]   Entre outros, tais como descritos por Renata V. Multedo e Rose Vencelau Meireles (MULTEDO, Renata Vilela; MEIRELES, Rose Vencelau. Autonomia privada nas relações familiares: direitos do Estado e Estado dos direitos nas famílias. In: ERHARDT JÚNIOR, Marcos; CORTIANO JUNIOR, Erolthus. Transformações no Direito Privado nos 30 anos da Constituição: estudos em homenagem a Luiz Edson Fachin. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 625-636. p. 629).


[5]   XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de Namoro: Amor Líquido e Direito de Família Mínimo. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 103.